A peça é uma aula de filosofia com pitadas de humor leve e sofisticado. A
atriz brinca com a sua nudez e transgride esteticamente pois utiliza o
seu corpo nu como simbologia de sua alma em mutação. O corpo nu nos leva
a uma ideia de ingenuidade, de não consciência do pecado. Sua nudez é
casta.
Li o livro A alma imoral do rabino Nilton Bonder em 2009 e apenas ontem fui ver o monólogo escrito e interpretado pela magnética Clarice Niskier, baseado na obra de Bonder. Uma mescla fascinante entre filosofia e teologia judaica. Mas a peça foi além. Combinou judaísmo com budismo e defendeu um olhar transgressor sobre as religiões e a vida de um modo geral.
Para os autores, a transgressão é elemento fundamental para a evolução,
pois muitas vezes precisamos quebrar regras para fazer o que é certo,
para manter o essencial.
O texto de um modo geral propõe uma deliciosa ruptura com arcaicas
crenças, que colocam o corpo como protagonista do desejo de transgredir.
Para Bonder e Clarice quem transgride é a alma, pois ela está em
constante transformação e não se sujeita à pequenez imposta pela
tradição que é o dogma do corpo.
O corpo é tradicional, quer conservar, reproduzir simplesmente, manter a
ordem, deixar tudo nos seus devidos lugares. A alma quer ir além. E se
um homem ou uma mulher trai o seu parceiro é porque a alma assim o quer.
Mas traição para os autores vai muito além de infidelidade sexual.
Estamos condenados à traição, pois é por meio dela que adaptamos as
tradições quando elas já não dão conta de manter o essencial.
Para os autores quando um filho deixa sua casa, trai os seus
pais. Por outro lado é por meio desta traição que ele alarga o lugar
estreito.
A peça é uma aula de filosofia com pitadas de humor leve e sofisticado. A
atriz brinca com a sua nudez e transgride esteticamente pois utiliza o
seu corpo nu como simbologia de sua alma em mutação. O corpo nu nos leva
a uma ideia de ingenuidade, de não consciência do pecado. Sua nudez é
casta.
Um dos momentos mais poéticos da peça é quando a atriz fala que os
homens entram em contato com sua alma por meio do amor que sentem por
uma mulher, pois é o gênero feminino o destinado a ensinar a arte da
transgressão.
Outra sacada interessantíssima é o entendimento dos autores em relação à
combinação das religiões. Para eles é possível alguém mergulhar mais
fundo no judaísmo por meio do budismo. Acho completamente plausível, da
mesma forma que podemos compreender melhor o cristianismo por meio do
budismo ou do espiritismo. Muitas vezes crenças mais afetivas nos
permitem uma leitura mais terna a respeito de religiões mais severas
porque ultrapassamos as barreiras das leis nuas e cruas e alcançamos o
âmago que é a busca do amor maior.
por Sílvia Marques
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