Acho
que não há dúvidas que vivemos há algum tempo (mais) uma grande crise,
política, econômica, social, coletiva, e, de novo, “queremos ordem no
mundo, politicamente, religiosamente, economicamente, socialmente”, como
retratou certa vez o célebre filósofo indiano Jiddu Krishnamurti
(1895-1986) no registro desse curto vídeo abaixo, reproduzido do
documentário “The Mind
of J. Krishnamurti” — gravado muito antes de nossa crise
atual (parece que sempre há crises). “Nas
nossas relações uns com os outros, queremos ordem, queremos alguma paz, alguma
compreensão“, prossegue ele, para logo em
seguida confrontar esse desejo com a atenção à nossa crise “interna”,
pessoal, individual, que, segundo ele, é a verdadeira crise: “A crise não está lá fora, a crise
realmente é interna, e nós não estamos com vontade de resolver isso“.
Interna como?, podemos nos
perguntar. As palavras que ele usa para definir interna são “psicologicamente” e “na consciência“. No
vídeo ele afirma que “a consciência está uma confusão, em contradição”. A
forma mais simples de entender isso talvez seja ver que o que se
busca como ordem no mundo não está correspondendo à desordem que se vive
internamente — desordem psicológica e desordem da
consciência. Uma frase atribuída a Sigmund Freud tem sido
compartilhada exaustivamente na Internet, onde ele pergunta: “Qual a sua responsabilidade nos
problemas do mundo que você critica?” (nota atualizada sobre a frase atribuída:
a frase consta no livro “Presentation on Transference”, de Jacques Lacan,
onde ele cita Freud e descreve a frase como sendo “Qual o seu envolvimento
na desordem da qual você reclama”, pg.179 — com agradecimentos ao leitor Nelson Matheus, que trouxe a primeira confirmação).
Esse
vídeo foi extraído de uma entrevista que Krishnamurti concedeu ao escritor e
educador Michael
Mendizza (em inglês aqui),
e ele mesmo refaz a pergunta para entender o que Krishnamurti quer
dizer com crise interior.
Um dos trechos da resposta que recebe não está neste vídeo, mas fala da
nossa super-adaptação aos vários sistemas vigentes, que seguem inquestionados:
“Quando eles oferecem sistemas e você os aceita, você está fechado,
seguro, protegido, e você sente isso. E a maioria da pessoas quer se sentir
protegidas psicologicamente. Mas as instituições nunca salvaram o homem,
politicamente, religiosamente; elas nunca realmente libertaram o homem da sua
tristeza, dor e todo o resto. Sabemos disso, mas os sistemas tem um apelo
extraordinário para aqueles que não pensam”. Mais do que a ignorância,
Krishnamurti cita a “preguiça”
como fator que justifica a manutenção dos sistemas.
Uma
das coisas que o filósofo sempre sugeria em seus discursos e
palestras era que, se as pessoas tinham dúvidas, que se perguntassem,
sincera e profundamente, sem se apegar a padrões de respostas já
existentes, e assim chegariam a respostas verdadeiras.
Podemos seguir essa sugestão agora e colocar atenção em algumas
perguntas orientadas-ao-nosso-interior nesse cenário de crise atual: nós
queremos que os políticos se interessem e se dediquem aos problemas e às
necessidades comuns, mas será que fazemos isso quando vivemos os variados
eventos da nossa rotina? Será que quando entramos em debates, por exemplo,
não ajudamos a torná-lo uma discussão dividida, oferecendo resistência e
defesa, ao invés de torná-lo mais inclusivo e compreensivo? Será que não
estamos agindo apenas em prol de agendas individuais, com graus
de segregação e ausência de fraternidade – e desejando que
o mundo tenha justamente isso, para podermos então ter essas mesmas coisas
em nossas vidas, de
fora pra dentro? O que leva a essa expectativa? O que leva a
projetar a responsabilidade sobre o outro, ou sobre um
sistema? Qual minha motivação quando divido, engano, rejeito, ataco?
Quem acredito que sou ou preciso ser para pensar e agir assim? Que mais
perguntas podemos fazer, eu sinceramente gostaria de evoluir e aprofundar em mais questões, tomar
caminhos diversos nesse tipo de questionamento — podemos fazer isso nos comentários, e
eventualmente atualizo o post. Assim podemos ir
ampliado e renovando, “encarando a crise”, buscando um ordem e
esclarecimento interior.
“Já está provado, por
mais e mais vezes, que querer ordem externa no mundo sem ordem interna só
gera mais desordem”.
— Jiddu Krishnamurti
Segue
o vídeo com legendas embutidas em português:
Krishnamurti - A Crise é Interna
Fonte darmalog http://tinyurl.com/kvy7ggk
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