Um dos conceitos mais importantes em Um Curso em Milagres é o de causa e efeito. É uma forma útil ao considerarmos toda a idéia do perdão e especialmente ao olharmos para a missão de Jesus e como ele a realizou. A própria natureza da idéia de causa e efeito é tal que não podemos ter uma sem a outra. O que estabelece que algo é uma causa é que conduz a efeitos. E o que estabelece algo como um efeito é ter vindo de uma causa.
Uma das minhas frases favoritas no Curso parece quase incompreensível. Ela diz: “A causa torna-se causa devido a seus efeitos” (T-28.II.l:2). Essa é uma forma poética de dizer que a causa se faz causa pelos seus efeitos. Assim, o que estabelece algo como uma causa é que ela tem efeitos. Do mesmo modo, o que estabelece algo como um efeito é que ele tem uma causa. Esse é um princípio fundamental desse mundo e também do Céu. Deus é a Primeira Causa e o Efeito é Seu Filho. Deus é a Causa que estabeleceu Seu Filho como o Efeito. E como um Efeito de Deus, nós estabelecemos Deus como o Criador ou o Pai.
O princípio também funciona neste mundo, de tal modo que toda ação tem uma reação. O que isso também significa é que se algo não é uma causa não pode existir nesse mundo. Tudo nesse mundo tem que ter um efeito, de outro modo não existiria. Toda ação tem que ter uma reação: esse é um princípio fundamental da física. Se algo existe, terá um efeito em alguma outra coisa. Portanto, tudo o que existe nesse mundo será uma causa e terá um efeito, e é esse efeito que estabelece a causa. Certo? Compreender esse princípio é muito importante porque podemos então usá-lo como uma fórmula abstrata e nos ligarmos nisso.
Vamos recordar a estória bíblica do pecado original. Quando Deus pegou Adão e Eva e os puniu, Ele expressou a punição dentro de um contexto causal. Ele disse: “Porque vocês fizeram isso, é isso que vai acontecer. Porque vocês pecaram, o efeito do seu pecado será uma vida de sofrimento.” O pecado, portanto, é a causa de todo o sofrimento desse mundo, O pecado da separação, que deu origem ao ego, dá lugar ao seu efeito: uma vida de sofrimento, dor e eventualmente morte.
Tudo o que conhecemos nesse mundo é o efeito da nossa crença no pecado. O pecado, portanto, é a causa, do qual a dor, o sofrimento e a morte são o efeito. São Paulo fez uma frase brilhante quando disse: “O salário do pecado é a morte.” (Isso também é citado no Curso [T-19.II.3:6].) Ele estava dizendo exatamente a mesma coisa. O pecado é a causa, e a morte é o efeito. Não há nenhuma testemunha mais poderosa da realidade do mundo separado do que a morte. Esse é um tema proeminente no Curso.
Assim a morte vem a ser a prova definitiva de que o pecado é real. A morte é o efeito do pecado, que é a causa. Se nós agora tentamos seguir o pensamento do Espírito Santo e queremos provar que esse mundo não é real e que o pecado da separação nunca aconteceu, tudo o que é necessário é provar que o pecado não tem efeito. Se pudéssemos provar que a causa não tem efeito, então a causa não pode mais existir. Se alguma coisa não é uma causa, essa coisa não é real. Tudo o que é real tem que ser uma causa e, portanto, ter um efeito. Se removemos o efeito estamos também eliminando a causa.
Agora, se o maior efeito do pecado nesse mundo é a morte, ao demonstrar que a morte é uma ilusão estamos demonstrando simultaneamente que não há nenhuma separação, que a separação nunca ocorreu, e que a única realidade, a única Causa verdadeira é Deus. Essa pessoa foi Jesus. E a sua missão era nos mostrar que a morte não existe.
O princípio de causa e efeito é resumido da seguinte forma: No Céu Deus é a causa do Filho, ou seja, do Cristo e no Mundo o pecado é a causa do sofrimento, da doença e da morte.
Os evangelhos falam de Jesus como o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo. Ele fez isso demonstrando que os pecados não tinham nenhum efeito. Vencendo a morte, ele nos livrou de todos os pecados. Contudo, essa não foi a forma das igrejas compreenderem isso, ou o que nos foi ensinado. Assim, uma das razões importantes do Curso ter vindo nesse momento, desse modo, é a correção desse erro. O que Jesus fez foi viver nesse mundo—o mundo do sofrimento, do pecado, e da morte—e demonstrar que tudo isso não tinha efeito sobre ele.
Um Curso em Milagres se baseia na compreensão de que a ressurreição de Jesus, de fato, ocorreu. Estritamente falando, a ressurreição é apenas o despertar do sonho da morte. Portanto, só diz respeito à mente e não ao corpo. Mas fiel ao seu uso da linguagem tradicional cristã, o Curso freqüentemente emprega o termo ‘ressurreição’ da forma que corresponde à compreensão tradicional. Jesus disse: “Não ensines que eu morri em vão. Ensina, em vez disso, que eu não morri, demonstrando que eu vivo em ti” (T-11.VI.7:3-4). Ele diz a mesma coisa muitas vezes de modos diferentes. O ponto crucial que devemos compreender é que a morte não existe, porque se a morte é real, todas as formas de sofrimento são reais e Deus está morto. Além disso, se o pecado é real, significa que uma parte de Deus se separou de Deus, o que quer dizer que Deus não pode existir. Deus e Seu Filho não podem estar separados.
Assim, Jesus pegou a testemunha mais convincente da realidade desse mundo e mostrou que ela não tinha poderes sobre ele. Esse é todo o significado de sua vida, sua missão, e sua função. Vencer a morte é mostrar que a morte não é real, que a sua causa aparente também não é real, portanto, nós nunca nos separamos de nosso Pai. Esse é o desfazer da separação, O Curso fala do Espírito Santo como o princípio da Expiação. No momento que a separação pareceu ocorrer, Deus colocou o Espírito Santo em nós, o que desfez a separação. Esse é o princípio, mas o princípio tinha que ser manifestado no mundo. E Jesus foi aquele que manifestou o principio da Expiação através da sua própria vida, sua morte e sua ressurreição.
Mais uma vez, para nos beneficiarmos com Um Curso em Milagres não é necessário que acreditemos em Jesus como nosso salvador pessoal, nosso Senhor, ou sejam quais forem as palavras que possamos escolher. Contudo, em algum nível, temos que aceitar o fato de que a ressurreição é algo que poderia ter acontecido, mesmo que não acreditemos em Jesus. Em última instância, não podemos aceitar o Curso, a menos que também aceitemos o fato de que a morte é uma ilusão. Não precisamos fazer isso de imediato, e não temos que integrar isso completamente em nossas vidas, porque no momento em que o fizermos, não estaremos mais aqui. Essa é a meta. Mas, como uma idéia intelectual, temos que reconhecê-la como uma parte essencial de todo o sistema.
P: Quando você diz que não estaremos mais aqui, quer dizer que vamos morrer?
R: Bem, de fato, quer dizer que nós não precisamos estar aqui para a nossa própria Expiação; eventualmente teremos servido ao propósito de estarmos aqui. Quando tivermos realizado esse propósito, podemos deixar esse corpo e voltar para Casa. Esse é um pensamento bom, não uma coisa ruim como usualmente o consideramos.
Esse princípio de causa e efeito também funciona em termos de perdão e Jesus nos oferece algumas das melhores demonstrações disso. Pensem mais uma vez naquele exemplo no qual eu estou sentado aqui e vem alguém e me ataca. Se eu não estiver na minha mente certa, verei essa pessoa como a causa do meu sofrimento. O meu sofrimento, portanto, será o efeito do pecado daquela pessoa. A minha reação como alguém que foi ferido, reforçará o fato de que essa pessoa pecou. Se eu estiver na minha mente certa, darei a outra face, o que nesse sentido significa demonstrar para aquela pessoa que o seu pecado contra mim não teve nenhum efeito porque eu não fui ferido. Cancelando o efeito, estou também cancelando a causa. Isso é o verdadeiro perdão.
Jesus nos deu esse exemplo, não só através da sua ressurreição, mas em várias ações no fim da sua vida. Isso é apresentado em um subtítulo que tem muita força no texto chamado “A mensagem da crucificação” (T-6.I). As pessoas estavam atacando Jesus, humilhando-o, zombando dele, insultando-o e finalmente o mataram. Pecando contra ele, pareciam estar causando o seu sofrimento. O fato de Jesus não os atacar de volta, mas continuar amando-os e perdoando-os, foi a sua forma de dizer que seu pecado contra ele não tinha qualquer efeito, portanto, eles não haviam pecado. Tinham apenas cometido um erro. Tinham meramente pedido ajuda. E foi assim que Jesus perdoou os nossos pecados, não apenas durante a sua vida, mas certamente em sua ressurreição. A sua ressurreição dizia claramente que o pecado que o mundo havia cometido ao assassiná-lo não havia tido efeito. Ele ainda está conosco, portanto, eles não podiam tê-lo morto, o que significa que não pecaram.
Apenas olharam para o seu ‘pecado’ de modo errado. Esse é o plano de perdão do Espírito Santo descrito pelo Curso. Você desfaz a causa mostrando que ela não teve efeito algum.
A coisa mais difícil em todo o mundo é responder ao ataque com perdão. No entanto, é essa a única coisa que Deus nos pede. E também a única coisa que Jesus nos pede. E, o que é bonito, ele não apenas nos deu o exemplo perfeito de como isso deve ser feito, mas permaneceu dentro de nós para ajudar-nos a fazer a mesma coisa. Não é possível respondermos assim aos ataques do mundo se não soubermos que há alguém dentro de nós que nos protege, nos ama e nos consola, pedindo que compartilhemos o seu amor com a pessoa que nos está atacando. Não podemos fazer isso sem a sua ajuda. E esse é o apelo que Jesus faz uma e outra vez em Um Curso em Milagres—que aceitemos a sua ajuda para perdoarmos.
P: Assim, isso significa que quando perdoamos verdadeiramente uma outra pessoa depois de termos sido atacados, não é o nosso ego que perdoa, mas nós nos ‘tornamos’ a manifestação do Espírito Santo e é Ele que perdoa?
R: É. Quando Jesus diz no Curso que ele é a manifestação do Espírito Santo, quer dizer que ele não tem nenhuma outra Voz. O Espírito Santo é descrito como a Voz por Deus. Deus não tem duas vozes. Jesus não tem mais ego, portanto, a única outra Voz disponível para ele é a do Espírito Santo, e ele é a manifestação Disso. Na medida em que podemos nos identificar com ele, e nos unir a ele para compartilharmos a sua percepção do mundo (a visão de Cristo), nós também nos tornamos manifestações do Espírito Santo, e a nossa voz será a Sua Voz. Assim, toda a vez que abrirmos a nossa boca para falar, será a Sua Voz que será ouvida. E é realmente isso que Jesus nos pede.
Uma das frases mais bonitas no Curso é a introdução à quinta revisão no livro de exercícios (L-pI.rV.9:2-3). Esse é um dos poucos lugares no Curso em que Jesus fala de si mesmo. Parafraseando, a passagem seria: “Eu preciso dos teus olhos, das tuas mãos, dos teus pés. Preciso da tua voz através da qual eu salvo o mundo.” Isso significa que sem a nossa ajuda, ele não pode salvar o mundo. E isso que ele quer dizer no texto quando diz: “Preciso de ti tanto quanto precisas de mim” (T-8.V.6:1O). A Sua Voz não pode ser ouvida no mundo a menos que venha através de nós, porque ninguém pode escutá-la de outro modo. Ela tem que vir através de formas e corpos específicos nesse mundo para que outros corpos possam ouvi-la. De outro modo, será sempre uma abstração simbólica que significa muito pouco. Ele precisa que deixemos o nosso ego de lado o suficiente para que ele possa falar através de nós. Existe uma oração maravilhosa do cardeal Newman que termina assim: “E, ao olharem para cima, que eles não vejam a mim, mas só Jesus.” Quando as pessoas nos ouvem falar, que elas não ouçam as nossas palavras, mas só as dele.
Não é necessário uma identificação pessoal com Jesus como uma pessoa histórica, alguém que foi crucificado e “ressurgiu dos mortos”. Nem sequer é necessário que nos identifiquemos com ele como o autor do Curso ou como nosso professor. Contudo, é necessário perdoá-lo. Se não o fizermos, estamos guardando algo contra ele, que estamos realmente guardando contra nós mesmos. Ele não pede que o tomemos como nosso professor pessoal. Ele pede apenas que olhemos para ele de um modo diferente e não o responsabilizemos pelo que outras pessoas fizeram dele. Em um certo ponto no Curso, o Espírito Santo diz: “Alguns ídolos amargos foram feitos dele que apenas queria ser um irmão para o mundo” (E-5.5:7). Assim como Freud disse: “Eu não sou um freudiano,” Jesus poderia dizer: “Eu não sou um cristão”. Nietzsche disse que o último cristão morreu na cruz, o que infelizmente é provável que seja verdade.
Resumindo, podemos recordar as palavras de Jesus em Um Curso em Milagres, que o tomemos como nosso modelo para aprendermos (T-5.II.9:6-7; 12:1-3; T-6.in.2:1; T-6.I.7:2; 8:6-7). Isso certamente não significa que precisamos ser crucificados como ele foi, mas que nos identifiquemos com o significado da sua morte; o que quer dizer que quando formos tentados a nos sentirmos mal tratados, as vítimas inocentes do que o mundo fez a nós, devemos recordar o exemplo de Jesus e pedir a sua ajuda. Aos olhos do mundo, ele era sem dúvida alguma uma vítima inocente, contudo, essa não foi uma percepção compartilhada por ele. Portanto, ele nos pede, usualmente em condições muito menos extremas do que ele em sua vida, que nos lembremos que só podemos ser vítimas dos nossos pensamentos, e que a paz e o Amor de Deus que são a nossa verdadeira Identidade jamais serão afetados pelo que os outros fazem ou parecem fazer conosco. Essa lembrança é a base do perdão e o propósito de Um Curso em Milagres é que aprendamos isso. [Kenneth Wapnick]
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