15 de abril de 2008

LEONARDO BOFF

Leonardo Boff, fundador da Teologia da Libertação:
“Sou um cigano teológico.”

Lluís Amiguet
Tenho 68 anos. Sinto o peso da idade, mas também o equilíbrio e a serenidade de ter vivido. Nasci no Brasil e é com dor que vejo a morte da Amazônia e de seus filhos. Deixei o sacerdócio porque o Vaticano me exigiu não humildade, que é virtude, mas humilhação, que é pecado. Resta-me a palavra.

EFE

La Vanguardia - Padre Boff…
Leonardo Boff - Não me chame de padre que o Vaticano não gosta.

LV - Como quer que o chame?
Boff - Como quiser. Eu sou o mesmo: mudei de trincheira para continuar a mesma batalha. Deixei o ministério, mas continuei como teólogo e nunca mais voltei a ter problemas com o Vaticano.

LV - Resuma sua vida em três cenas.
Boff - Nasci no Brasil, estudei teologia no seminário e tornei-me franciscano. Fui à Alemanha estudar teologia e voltei para a Amazônia…

LV - Lá a teologia crítica alemã lhe foi útil?
Boff - Agora imaginemos a primeira cena: estamos em Manaus, capital da Amazônia, e explico a um grupo de cristãos e sacerdotes o “Jesus na visão crítica da ciência”, e vejo em seus olhos que não entendem nada. Um deles me pergunta: “Como vou anunciar esse Jesus aos indígenas que morrem nas terras dos latifundiários porque as desmatam e acabam com eles e todo o seu mundo?” Então percebo que devo ser humilde e aceitar que devo reinventar a teologia a partir deles. Na cena seguinte estou em Roma, sentado na mesma sala onde estiveram Galileu Galilei e Giordano Bruno…

LV - A das causas da inquisição.
Boff - Ali, o então cardeal Ratzinger me processa e ali sinto muito fundo a dureza vaticana e sua falta de coração. A terceira cena: estamos na Eco 92 no Rio de Janeiro e saio de um diálogo com o Dalai Lama. Aproxima-se um cardeal da Cúria Romana e me critica: “Você não aprendeu nada do silêncio necessário…” “Pode escolher: Filipinas ou Coréia.”

LV - O senhor se negou a ir?
Boff - Obedeci, mas perguntei ao cardeal se lá poderia continuar falando, escrevendo, ensinando… E ele respondeu: “Não poderá, porque lhe ordenamos ficar em silêncio em um convento”.

LV - Então o senhor se negou a obedecer.
Boff - Porque já não se tratava de humildade, que é uma virtude, mas de humilhação, que é um pecado. Um teólogo só tem a palavra para continuar vivo, e negar-se a usá-la é morrer. Então abandonei o sacerdócio.

LV - O senhor mantém um ministério universal.
Boff - Sou um cigano teológico, mas convencido de continuar defendendo minha fé, que não é a única verdade. E nisso discordo de Roma.

LV - A verdade, segundo eles, é uma só: a deles.
Boff - O Vaticano afirma que sem a Igreja não há salvação, e isso é uma arrogância medieval: o espírito de Deus está em todas as partes e Deus, olhando a humanidade, vê todos os seus filhos; não olha só para o Vaticano.

LV - Para Roma isso é relativismo moral.
Boff - Roma tem medo do presente, da diversidade: tem medo da modernidade e do futuro. E se aceitasse que a centralidade não é a Igreja, mas a humanidade inteira, poderia realmente salvar o mundo.

LV - Como?
Boff - Superando o choque de culturas causado pelo terrorismo e os fundamentalismos. Teríamos de aceitar que nenhuma igreja é portadora da única verdade; só assim poderíamos chegar à paz duradoura.

LV - Todos temos algo de verdade, mas ninguém a tem inteira.
Boff - Antonio Machado explica isso bem: “Não me dê a sua verdade; busquemos juntos a verdade e guardemos a sua e a minha”.

LV - Se a verdade é única, anda sempre armada.
Boff - O Ocidente, com sua pretensão de impor a sua, que ele acredita única, levou guerra e exploração a muitos lugares, e o sistema que impôs ameaça devastar o planeta, o lar da humanidade.

LV - A Amazônia corre perigo.
Boff - O planeta está em perigo. Lembre que “homem” vem de húmus: terra. Somos a Terra, e se a destruirmos também não sobreviveremos: o papa no Brasil deveria ter-se pronunciado pela Terra.

LV - Essa é a mensagem de são Francisco.
Boff - Por isso continuo sendo franciscano. Francisco está mais vivo que nós, apesar de ter nascido há 800 anos.

LV - É o santo ecologista.
Boff - Francisco abraçou todos os seres da terra com emoção sincera. É o santo do diálogo com todos, começando pelo Irmão Lobo, então flagelo dos homens…

LV - E hoje espécie em extinção, o pobre.
Boff - Francisco soube ver a comunidade dos seres vivos e sua união inseparável entre todos e com a Terra. Não há felicidade possível se explorarmos os humanos e outras espécies. “Adão” vem de Adana, terra boa.

LV - Mas: “Povoem a Terra e a subjuguem”.
Boff - Esse “subjuguem” foi mal traduzido; no original bíblico refere-se a cuidar dela, no sentido de cuidar de uma herança. Tratamos a Terra como se fosse uma mina de onde tirar todas as riquezas e depois abandoná-la e esquecê-la. E a Terra somos nós.

LV - Sua mensagem para a rica Espanha?
Boff - Lembrem que vocês foram pobres, e hoje 20% da humanidade se apropriam de 80% das riquezas do planeta, que deveriam ser de todos.

LV - O que fazer?
Boff - Transformemos com a paz e a palavra esse sistema que explora a nossa Terra e faz que nos exploremos entre nós.

LV - Como?
Boff - Transformemos a nós mesmos; tomemos consciência e empurremos nossos governantes com nossa pressão e nossos votos e razões para evitar o sofrimento e a exploração do resto dos homens e das espécies. Se não o fizermos, por mais que tenhamos, não teremos nada.

A “teodiversidade”

Vejo em Leonardo Boff um homem sábio e bom, porque nele se sente a bondade, e se o outro grande teólogo malvisto em Roma, Hans Küng, falou aqui desde a inteligência bondosa, Boff dirige-se agora ao coração com a bondade inteligente. Seu discurso -moderno, como franciscano- sobre a biodiversidade ameaçada e a teodiversidade necessária para evitar o choque de civilizações é humilde, sincero, sentido e necessário. Boff, mais que separado do ministério, sente-se livre da imposição de defender o indefensável e entrega-se à sua fé como teólogo livre: nenhuma igreja é dona da única verdade; todas as religiões têm algo da verdade e nenhuma a tem inteira. Por isso é uma idiotice matar e matar-se para impor a nossa.


Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
La Vanguardia

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