23 de agosto de 2007

Do avesso e de cabeça para baixo...

“O trabalho dos olhos está feito,
agora
Vá e faça o trabalho do coração”.
-Ranier Maria Rilke-


A artista americana Bev Doolittle desenvolveu um estilo único de pintura que ela chama de sua “técnica de camuflagem”. Nesse processo, ela se sente livre para romper todas as regras-padrão de composição artística. Por exemplo, em Woodland Encounter, ela colocou uma raposa de cor forte diretamente no centro do fundo. Até um neófito do mundo da arte sabe que jamais se deve centralizar qualquer coisa numa pintura e que a atenção sempre deveria ser atraída primeiro para o plano frontal, depois para o plano médio e finalmente para o fundo.

Ao virar as regras do avesso, Doolittle distrai astutamente o espectador de maneira que ele não veja os acontecimentos mais importantes e interessantes – índios montados em pôneis esgueirando-se furtivamente pelas florestas silenciosas – camuflados no plano frontal de sua paisagem circundada de neve. O resultado é que o espectador ganha a deliciosa experiência de descobrir aquilo que está escondido no meio do óbvio.

Através de muitos anos de observação silenciosa da natureza e de aprender como “ouvir com os olhos”, Doolittler descobriu um dos maiores segredos da vida: as coisas óbvias são distrações que nos embalam a acreditar que a realidade está apenas no mundo físico e, portanto, só pode ser vivenciada por meio dos cinco sentidos. Se Doolittle não tivesse levantado a possibilidade de existir outra dimensão da realidade escondida sob a superfície, tanto ela quanto o mundo estariam privados do dom vivificante de suas pinturas.

A tentação que surge ao ouvir uma história de triunfo igual à de Doolittle é considera-la uma dessas pessoas especiais que foi agraciada com um grande destino. Embora ela seja especial e agraciada, seria um erro considera-la mais especial e mais agraciada do que qualquer outra pessoa. Todos receberam um grande destino e o destino de cada indivíduo é único. Enquanto não tivermos coragem suficiente para começar a fazer perguntas e procurar a verdade que está camuflada nas muitas vivências e armadilhas de nossa vida, nosso destino permanecerá escondido para nós. Mesmo se ouvirmos entusiasmados as histórias de outras pessoas, continuaremos inconscientes do fato de que a nossa própria história permanece não escrita.

Nossa história pessoal de benção, grandeza e destino jamais terá um começo enquanto não estivermos à vontade com perguntas em aberto. A grande dificuldade é que elas não têm respostas e estão mudando constantemente. Essas perguntas se inovam tão rapidamente quanto à pessoa que pergunta.

Aqui se encontra tanto a benção quanto a maldição. Pois perguntas como essas são sagradas e não têm respostas. Fomos treinados desde a infância a acreditar que as perguntas, embora importantes, eram apenas meios para um fim. É que sempre o objetivo final era possuir a resposta – onde colocamos a nossa fé e sobre as quais construímos a nossa vida.

Sempre que colocamos nossa fé e construímos nossa vida sobre respostas rígidas em vez de perguntas flexíveis, podemos ter certeza de que, mais cedo ou mais tarde, desperdiçaremos uma boa porção de nossa energia vital defendendo essas respostas. Mas, como as respostas rígidas criam a ilusão de segurança e de vida, fechamos os olhos e apertamos nossas respostas em volta de nós como uma capa de chuva numa noite escura de tempestade.

Então, assim como é raro notar a luz faiscante de uma libélula durante o dia, é raro que as pessoas reconheçam a luz tremulante das Perguntas Sagradas quando a vida está cheia de céu azul e luz do sol. Na vida de cada um, porém, nuvens de tempestade e escuridão descerão inevitavelmente como um véu gigantesco, ocultando o mundo cheio de luz ao qual nem demos atenção.

O momento em que nossa vida é varrida pelos ventos da mudança que a viram do avesso e de cabeça para baixo é, normalmente, o momento em que a verdadeira história de nossa vida – daquela pessoa que fomos criados para ser – começa a ser escrita. Optam-se por seguir a luz tremulante do sagrado – e isto é sempre uma escolha, mesmo se for uma escolha nascida do desespero -,
descobrimos que nossa vida nunca foi aquilo que parecia ser.

Quando aprendemos a ouvir com os olhos, ver com o coração e falar sem palavras, camadas e camadas de ilusão secam e desaparecem. Finalmente, em pé sobre a Grande Ponte de nossa alma, iremos descobrir o mundo do mistério, da beleza, do símbolo e da história, um mundo onde as feridas são dons, onde a escuridão é dissipada pela luz do entendimento e onde aquilo que é verdade é reconhecível só porque está sempre mudando.

Texto do livro: Meu Eu Melhor > usando o Eneagrama para liberar o poder do eu interior – Ed. Mercuryo.

22 de agosto de 2007

O Poder da História Pessoal

O PODER DA HISTÓRIA PESSOAL


Uma jovem artista promissora voltou para casa de sua aula de arte do segundo ano primário e informou aos pais que ela tinha acabado de receber o “poder de Deus”. Mais do que um pouco curioso, seus pais pediram-lhe que explicasse o que ela queria dizer com isso. Com uma risada a maliciosa a menininha explicou: “Eu não tenho o poder de Deus realmente. Mas minha professora de arte disse que quando eu desenho ou pinto um quadro, posso criar o que eu quiser – qualquer idéia que eu tiver. Então isso se parece com o poder de Deus”.

Remodelando o nosso passado. Na história pessoal somos livres para criar ou recriar nossa vida da maneira que desejarmos; portanto, é como se fosse o poder de Deus. Podemos remodelar nossa história, olhando para ela de uma nova perspectiva. No distanciamento temporal, muda o significado de fatos importantes na nossa vida e assim muda também a maneira como os contamos, Às vezes até podemos ver como a nossa história se encaixa numa história maior, uma história que vem do âmago da humanidade. E então entendemos que a nossa vida tem um significado divino.

Muitas vezes precisamos contar nossas histórias porque estivemos presos em histórias de negligência, abuso, vitimização e impotência de nossas vivências passadas. As crianças são freqüentemente vítimas impotentes. Nos vinte e tantos anos desde que começamos a trabalhar com pessoas em questões de crescimento pessoal e cura interior, nunca conhecemos alguém que não tivesse tido problemas de dor na infância que continuaram a emergir na vida adulta. Mesmo os pais mais bem-intencionados, mais amorosos, não podem proteger seus filhos da dor de serem humanos.

A notícia boa é que, quando somos adultos, cada dia nos apresenta oportunidades para reescrever scripts negativos da infância, pois agora somos pais e podemos cuidar daquela criança ferida que ainda vive dentro de nós. A história pessoal é uma das mais poderosas ferramentas à nossa disposição para curar a dor do passado, como também a dor do presente. Por meio dela, obtemos uma nova perspectiva; vemos os antigos fatos à luz de novos desenvolvimentos; descobrimos a dádiva que nos veio na dor e nos alegramos com ela. Ao re-historiar nosso passado e presente, estamos criando também a história de um futuro muito mais feliz, pois o passado está curado e possibilidades novas e sempre ampliadas se abrem para o futuro.

Podemos começar o processo de re-historiar nosso passado e presente olhando para a dor da nossa Ferida Original e nos lembrando como a questão do abandono, da traição ou do desafeto tem sido um padrão repetitivo na nossa vida. Quando começamos a reconhecer que essa vivência inicial tem funcionado como um imã, atraindo para si vivências semelhantes, passamos a perceber como nos preparamos inconscientemente para continuar sendo vítimas. Como é que o Deus que vive dentro da nossa dor reagiu à criança sofredora e esquecida que vive dentro de nós? Essa vivência silenciosa também é verdadeira e por meio da prece, da imaginação e da intuição, podemos começar a descobrir uma nova dimensão da verdade de nossa vida. Quando emerge a realidade do nosso eu mais profundo, passamos a relembrar a verdadeira história daquela pessoa que fomos criados para ser. Com esses insights no lugar, podemos começar a usar nossa imaginação para criar um novo roteiro para a nossa vida.

Depois de vislumbrar as imagens e as cenas mentais que também poderiam descrever as nossas histórias de vida, estamos prontos para soltar a corrente de energia criativa semelhante ao poder de Deus. Receber as imagens mentais positivas de quem podemos nos tornar, é uma dádiva do Deus que ama e acredita e vive dentro de nós. Nossos esforços em manter e cuidar dessas imagens mentais positivas vai começar a corrigir lentamente as atitudes negativas que estivemos carregando inconscientemente a vida inteira.

Vencendo atitudes negativas. A sabedoria do Eneagrama nos ensina que as nossas atitudes negativas inconscientes desatrelam a mais destrutiva e violenta energia na nossa vida e na dos outros. Alguns leitores não vão entender como as atitudes negativas podem ter conseqüências tão amplas; em vez de explicar, vamos contar uma história.

No início da primavera, percebemos que um monte de mato, hastes secas de flores, capim e lama apareceram de repente em cima do telhado. Investigando, descobrimos uma pequena abertura nos pinheiros logo acima do entulho. Durante vários dias ficamos observando dois pássaros de cor escura voando para dentro e para fora da abertura, carregando seu tesouro. Ficamos na dúvida entre deixar os pássaros viver sem pagar aluguel e criar uma família no sótão ou encontrar uma maneira de nos livrarmos deles. Como não tínhamos certeza de como proceder à expulsão e como eles eram bem interessantes de observar, não fizemos nada.

Um dia, o filho de Kathy veio nos visitar e lhe contamos sobre nossos novos inquilinos que não pagavam aluguel. Quando ele perguntou que tipo de pássaros era, nenhum de nós sabia. Felizmente, um deles estava sentado bem perto da janela, sobre o cabo do telefone, bem à vista. Quando ele viu o pássaro, fez uma careta e disse: “São estorninhos! Se vocês não se livrarem deles, não poderão nem usar o seu sótão. Eles são tão agressivos que ficam atacando a cabeça da pessoa até ela ir embora – especialmente se estiverem formando uma família logo acima de você. Nas construções, os rapazes receiam encontrar um ninho de estorninhos nos pinheiros porque eles atacam um homem com tanta violência que ele nem consegue subir uma escada”. Depois de ouvir isto, logo encontramos uma maneira de desalojar nossos novos inquilinos. Eles ainda não haviam botado os ovos; por isso foi uma tarefa muito mais fácil do que seria algumas semanas depois.

As atitudes negativas são como os estorninhos que vivem nos sótãos de nossa mente. Elas estabeleceram residência permanente e continuam a se reproduzir. Atacam-nos (e nós atacamos os outros) vingativas sempre que entramos nessa área de pensamento e vivência. O pior de tudo é que estamos deixando que elas vivam na nossa mente de graça!

Agora, toda a vez que você começar a sentir, pensar e agir negativamente em relação a si mesmo e aos outros, pode se lembrar da história dos estorninhos e saber que acabou de encontrar um ninho de negatividade que precisa ser desalojado e resgatado. Essa é apenas um dos exemplos de como usamos a experiência da vida diária para começar a re-historiar a nossa vida. Vivências comuns que seriam rapidamente esquecidas se tornam fios contínuos de sabedoria, tecidos no tecido de nossa vida por meio de histórias.

A vida, quando vista como uma série contínua de pequenos contos, com um fio condutor e um tema, no final acaba sendo a nossa literatura pessoal de sabedoria sagrada que será transmitida de geração a geração ao adquirirmos a coragem de compartilhar nossa histórias com os outros.

Trecho do livro > Meu Eu Melhor – Usando o Eneagrama para Liberar o Poder do Eu Interior.

20 de agosto de 2007

O TRIÂNGULO INTERNO e a QUEDA

TRIÂNGULO INTERNO =
*Nossos três Centros: Físico/Mental/Emocional *
QUEDA =
*Experiências espirituais profundas relatadas pelos místicos de todas as eras *


A figura do Eneagrama (do grego Ennea= nove e grammos= figura ou desenho, antigo sistema de sabedoria, criado há cerca de 2500 anos, (alguns autores dizem que é mais antigo ainda e seu conhecimento foi mantido sigiloso durante muitos séculos) é formada por um triângulo interno que liga os pontos Nove, Seis e Três e por uma forma externa que liga os pontos Um, Quatro, Dois, Oito, Cinco e Sete.

São descontínuas entre si, de modo que o triangulo interno é, de certo modo, uma entidade separada. No Eneagrama da personalidade, o triangulo interno representa os fatores responsáveis por um processo arquetípico e as suas etapas, o processo de perda de contato com a nossa natureza essencial ou fundamental e o concomitante desenvolvimento de uma estrutura egóica. Nossa natureza essencial é aquilo que somos quando nos percebemos libertos da influência do passado – é o nosso estado de consciência original e incondicionado. É o estado em que vivíamos na primeira infância e coexiste com as características particulares da nossa alma, como a gentileza, a mordacidade, a resistência, etc. Quando éramos bebês, porém, não sabíamos que era nesse estado que vivíamos, pois ainda não tínhamos a autoconsciência.

O processo de perda de contato com a natureza essencial é universal: todos os que têm ego passaram por ele. Como é fácil de perceber, nesse rol incluem-se praticamente todos os seres humanos deste planeta, exceto os que nasceram santos ou doidos, ou seja, no caso deste último, os que nunca desenvolveram a estrutura egóica. Pode-se dizer que cada um dos tipos relacionados aos vértices do triangulo “se especializa” ou se forma em torno dos três fatores arquetípicos dessa perda. Pode-se dizer, igualmente, que eles sublimam ou enfocam as três fases correspondentes do processo de desenvolvimento do ego. Os outros pontos do eneagrama, por sua vez, podem ser vistos como graus ulteriores desse processo. A compreensão do processo representado pelo triângulo interno não só nos ajuda a entender o eneagrama da personalidade como também nos habilita, a saber, o que todos nós temos de enfrentar lá dentro para nos unirmos de novo à nossa natureza essencial. Como eu não estou descrevendo aqui os tipos do eneagrama considerados em si, mas sim as fases de um processo universal, referir-me-ei aos pontos Nove, Seis e Três e não aos Tipos de personalidade correspondentes.

O Ponto Nove, como indica a sua posição no vértice superior do eneagrama, representa o princípio fundamental que dá início ao desenvolvimento do ego: A PERDA DO CONTATO COM A NOSSA VERDADEIRA NATUREZA. Nas obras espirituais, essa perda de contato é freqüentemente compara a um adormecimento, do qual resulta um estado de ignorância ou escuridão. O processo de perda de contato com a origem incondicionada ocorre aos poucos no decorrer dos primeiros anos de vida; quando chegamos aos quatro anos, a Essência já está praticamente perdida para a nossa percepção. Essa perda de consciência da nossa natureza essencial desencadeia o desenvolvimento desse edifício que é a estrutura egóica.

O desenvolvimento dessa estrutura é um pré-requisito necessário para o progresso espiritual, uma vez que a autoconsciência reflexiva é uma das realizações do ego. Sem ela, nós não tomaríamos conhecimento do que nos vai na consciência. As diversas tradições explicam de diversas maneiras o motivo desse processo aparentemente inevitável e à primeira vista, lamentável. Em última análise ele continua sendo um mistério e pouco importam quais sejam as nossa crenças acerca do propósito dessa perda. Ela é simplesmente um dado e nós podemos optar entre lidar com o nosso distanciamento ou permanecer adormecidos.

Vários fatores conduzem a essa perda de contato com a Essência. O primeiro é a identificação com o corpo: achamos que nós somos o corpo e o corpo somos nós. Segundo Heinz Hartmann, um dos principais psicanalistas pós-freudanos, considerado pai da psicologia do ego, a consciência do recém-nascido se caracteriza, entre outras coisas, por ser uma matriz indiferenciada na qual as estruturas psicológicas que surgem depois – como o ego, o superego e os impulsos instintivos – não estão articuladas nem diferenciadas. René Sptiz, mais ou menos contemporâneo de Hartmann e pioneiro da pesquisa analítica sobre relacionamento entre mãe e filho, ampliou esse conceito e propôs o de não-diferenciação: a consciência não faria discriminação alguma entre o dentro e o fora, o eu e o outro, a psique e o soma; portanto, não haveria cognição (aquisição de conhecimento através da percepção).

Nossa teoria, baseada nas experiências daqueles que mergulharam nas camadas mais profundas de sua estrutura de personalidade e nas memórias que elas contém é a de que o bebê vive num estado de unidade que engloba as sensações corpóreas, as emoções e os estados essenciais. Todos os conteúdos da consciência se fundem numa espécie de sopa primordial. É provável que, embora a criança veja as diferenças entre as coisas, não saiba que elas estão separadas umas das outras. Ele sente o calor do seio da mãe, por exemplo, vê o vermelho da bolinha de borracha e sente os espasmos da fome no estômago, mas provavelmente não concebe essas experiências como distintas entre si. Para ele, calor, vermelho e fome simplesmente
fazem parte da unidade de sua existência.

O conhecimento distintivo se origina com a distinção entre sensações agradáveis e desagradáveis e traços dessas impressões se depositam aos poucos no sistema nervoso central em desenvolvimento. Com a repetição das impressões, começa a se formar a memória. O fato de que a distinção primeira entre o prazer e a dor é o princípio freudiano de buscar prazer e fugir da dor é o princípio fundamental que dá sustento a toda a estrutura egóica.

Aos poucos vai se formando uma outra distinção: uma noção do dentro e fora. O conjunto de sensações vindas de dentro do corpo afigura-se subjetivamente como senso de identidade rudimentar, que constitui a base do nosso sentido do eu. Pela repetição da experiência de que a criança ser tocada pela mãe ou por quem faz o papel de mãe, o conjunto de sensações na periferia do corpo se transforma numa noção dos limites do corpo. O corpo de cada ser humano é separado dos corpos dos outros seres humanos; por isso, o reiterado contato da pele com o ambiente circundante produz uma idéia preliminar de que se é uma identidade separada, isolada. Essa sensação de separação – definirmo-nos como uma entidade dotada de limites irredutíveis – constitui outra crença fundamental e outra característica da estrutura do ego.

A autoconsciência reflexiva, portanto, começa com as impressões físicas, de modo que a nossa auto-imagem identifica-se automaticamente com o corpo. “O ego”, diz Freud, “é antes de mais nada um ego do corpo.” A identificação com o corpo e, portanto, com o fato de ele ser uma entidade limitada e isolada, desliga-nos da consciência do recém-nascido, na qual todas as coisas são percebidas como uma só – unidade essa que é idêntica à das experiências espirituais profundas relatadas pelos místicos de todas as eras. Nos momentos em que desaparece essa suposição da nossa separatividade intrínseca, o que percebemos é que nossa natureza última e a natureza de todas as coisas são uma só realidade. Quando nos identificamos com o corpo e, portanto, com a separatividade, passamos a nos ver como irremediavelmente isolados, cindidos e dissociados do restante da realidade e não como células diversas do corpo único do universo, ou como manifestações singulares de um Ser único.

O segundo fator que nos faz perder contato com nossa natureza essencial está nas deficiências do ambiente no qual vive o bebê. Essas deficiências são as exigências que o ambiente impõe, por um lado; e, por outro, a falta de sensibilidade desse mesmo ambiente e particularmente da mãe, às necessidades da criança. Como os bebês são incapazes de comunicar verbalmente suas necessidades, essa insensibilidade é, em sua maior parte, inevitável – a mãe não pode senão adivinhar se a criança está com fome, com gazes ou com a fralda suja. O sofrimento, que de início é físico, leva o bebê a reagir na tentativa de alivia-lo. O instinto de sobrevivência entra em cena e o bebê entra em alerta vermelho para procurar se proteger da dor e eliminar-lhe a causa. Essa reação desliga o bebê do estado de não diferenciação, no qual sua consciência é completamente unida à Essência. Quando passa o sofrimento, a consciência do bebê se funde de novo na não-diferenciação.

Esse ciclo de reação e relaxamento se repete indefinidamente, estimulado pelo ambiente. Quando ocorrem maus tratos ou outras formas graves de violência, a reatividade se torna mais ou menos constante. Mesmo quando não há trauma, o ambiente se afigura de qualquer modo como algo não muito confiável para todos os neuróticos normais e assim crescemos mais ou menos dissociados da nossa natureza essencial. A seguir, Almaas* explica como a perda da sensibilidade contínua – o acolhimento (holding), na terminologia psicológica – gera uma falta de confiança no ambiente, a qual, por sua vez, produz reatividade que está na raiz de todo o desenvolvimento do ego:

Como tem de reagir à perda do acolhimento, a criança já não é puro ser; rompe-se o fluxo espontâneo e natural da alma. Se essa reatividade passa a ser predominante, o desenvolvimento da criança vai se basear nela e não na continuidade do estado de Ser. Se o seu desenvolvimento se baseia na reatividade a um ambiente hostil, a criança se desenvolve dissociada do Ser e portanto, é o ego que, nela se desenvolve. Se o seu desenvolvimento, por outro lado, nasce da continuidade do Ser, a consciência da criança permanece centrada na sua natureza essencial; seu desenvolvimento será, então, o amadurecimento e a expressão dessa natureza.

Quanto menos acolhimento há no ambiente, tanto mais o desenvolvimento da criança será baseado na reatividade, que é essencialmente uma tentativa de lidar com um ambiente no qual não se pode confiar. A criança inventa mecanismos para se haver com um ambiente indigno de confiança e são esses mecanismos que constituem a base do nascente senso do eu, o ego. O desenvolvimento da consciência da criança se funda, então, na desconfiança; portanto, a desconfiança é uma das bases do desenvolvimento do ego. A consciência da criança – sua alma – interioriza o ambiente no qual está crescendo e depois projeta no mundo esse ambiente.

Está implícita no ego, portanto, uma desconfiança fundamental em relação à realidade. A insensibilidade do ambiente gera ausência de uma confiança básica; essa ausência se torna uma dissociação em relação ao Ser; essa dissociação produz a reatividade, que é a atividade do ego.

A dissociação do estado indiferenciado original cria uma divisão ou dualidade entre nós e a essência. Junto com a identificação com o corpo. É essa dualidade que dá origem à crença na separatividade. É esse o gênero da ilusão da dualidade, a questão espiritual por excelência, na qual percebemos o eu e o Ser como duas entidades distintas.

O terceiro fator que contribui para a perda de contato com o Ser é a falta de sintonia dos pais com as nossas profundezas. O fato de termos sido criados por pais que, em última análise, acreditavam que eram entidades separadas (a menos que nossos pais fossem seres totalmente iluminados) molda profundamente a nossa consciência. Como eles mesmos não tinham contato com a própria natureza essencial, nossos pais não eram capazes de perceber, dar valor ou nos fazer ver a nossa verdade. A nossa consciência, nos primeiros meses de vida, estava fundida à da nossa mãe; por isso, o que ela sente de nós passa a ser o que nós mesmos sentimos. Como disse Margaret Mahler, “A estimulação mútua durante a fase simbiótica cria uma configuração indelével – um padrão complexo – que se torna o leimotif para que ‘o bebê se torne o filho daquela mãe em particular’.” Isso significa que nós nos tornamos o que a nossa mãe acha que somos. Os pais nos transmitem não só a sociedade e a cultura, mas toda a visão de um mundo que eles mesmos esposam. Essa visão de mundo que absorvemos junto com o leite materno é a personalidade; nela, o mundo físico é percebido como a única dimensão da real da realidade. Como a dimensão mais profunda da realidade – a dimensão da nossa natureza essencial – não nos é evidenciada nem mostrada, nós mesmos começamos, aos poucos, a perder o contato com ela.

Como dissemos na Introdução, a Essência, a natureza da nossa alma ou consciência, tem muitas qualidades diferentes, chamadas aspectos Essenciais. A Bondade, a Força, a Inteligência, a Alegria, a Paz, a Impecabilidade e a Proteção são apenas alguns desses Aspectos. Por isso, embora a Verdadeira Natureza da alma seja uma coisa só, as características pelas quais ela se manifesta mudam; ou, para dize-lo de outra maneira, muda a qualidade dela com a qual estamos em contato nos diversos momentos. A qualidade manifestada pela Essência depende da situação exterior em que nos encontramos ou das coisas que acontecem no nosso processo interior, Por exemplo: a compaixão pode surgir dentro de nós na presença de um amigo que sofre, ou a sensação de firmeza interior pode surgir quando nos deparamos com nossa própria falta de confiança. Como no conto sufi dos sábios que, de olhos vendados, tocaram diferentes partes de um elefante e ficaram, assim, cada qual com uma idéia diferente de o que o elefante é, assim também cada Aspecto representa uma qualidade diferente da nossa Verdadeira Natureza, mas todos são partes da mesma coisa. Embora mude a face sob a qual a Essência se apresenta, ela permanece sempre uma e a mesma.

Parece que o bebê capta diversas qualidades da Essência, mas há algumas que se tornam predominantes em certas fases específicas do desenvolvimento. Durante a fase que Mahler chama de simbiose, por exemplo, que vai mais ou menos dos dois aos seis meses, o Aspecto predominante é o do amor extático, caracterizado por uma doçura líquida e uma sensação de unidade com todas as coisas. É durante essa fase que o filho e a mãe sentem-se fundidos um no outro e é essa doce sensação de união que os adultos procuram inconscientemente reviver quando se apaixonam. Quando o bebê começa a se separar fisicamente da mãe – isto é, quando começa a engatinhar, aos seis ou sete meses – começa também a constituir dentro de si uma noção da distinção que há entre ele e a mãe, como se quebrasse a casca do ovo da simbiose. O Aspecto correspondente a essa subfase é caracterizado por uma expanssividade cheia de energia, uma sensação de força e de capacidade. Quando a criança começa a explorar seu mundo, deleitando-se com a sua capacidade de tocar, pôr na boca e manipular todos os seres e objetos fascinantes que o habitam, outro Aspecto passa ao primeiro plano. Este Aspecto se caracteriza pela sensação de gozo e pela curiosidade sem fim e sem objetivos em relação a todas as coisas com que a criança se depara.

À medida que a criança passa pelos diversos estágios do desenvolvimento do ego, os Aspectos predominantes vão se sucedendo correspondentemente. As rupturas ou traumas que acontecem durante um determinado estágio – coisas que, aliás, aconteceram muitas vezes até com as pessoas mais normais – afetam a nossa relação com o Aspecto Essencial correlato, enfraquecendo o contato que temos com ele. Esses traumas se tornam parte da história gravada no nosso corpo e na nossa alma.

Algumas escolas espirituais chamam essa perda de contato com as profundezas de “a queda”. Não acontece de uma vez, como dão a entender certas doutrinas, mas aos poucos, no decorrer dos quatro primeiros anos de vida, à medida que vamos passando pelos estágios nos quais predominam determinados Aspectos. Como já dissemos, as rupturas dos estados essenciais e o fato de não se chamar à atenção para os Aspectos faz com que eles se percam sucessivamente para a consciência, alguns gradativamente, alguns de forma abrupta. Por fim se chega a uma espécie de “massa crítica” que faz com que todo o mundo da Essência saia da consciência. Por ser a Essência a natureza da alma, a queda não equivale a uma perda da Essência – antes, simplesmente perdemos o contato com ela. Trata-se de uma distinção importante, pois significa que o mundo essencial está sempre presente; nós só o “esquecemos”, varremo-lo da consciência. Está aqui a cada momento e é inseparável do nosso ser, mas passou para o inconsciente. Essa idéia é a base de algumas doutrinas espirituais segundo as quais nós já somos iluminados. Porém, isso não nos consola, pois o mundo essencial não vem à consciência pelo simples fato de sabermos mentalmente que ele está lá.

O progresso espiritual pode, portanto, ser concebido sob certo ponto de vista como um processo pelo qual o inconsciente se torna consciente. Na consciência normal, o mundo essencial é recoberto pelas camadas mais profundas da personalidade, compostas de conteúdos que foram banidos da consciência pela repressão e de outros que nem sequer chegaram à consciência, como os impulsos instintivos e as memórias e fantasias a eles associadas. Freud, que formulou a noção do inconsciente, percebeu que ele continha, além daquilo que chamou de “id”, “certas funções não-conscientes do ego e do superego. Segundo Freud, o “id”contém todas as coisas herdadas, já presentes no nascimento, que já fazem parte da constituição da pessoa – acima de tudo, portanto, os instintos, que se originaram da organização somática e aqui no id encontram uma expressão psíquica sob formas que nos são desconhecidas”. É interessante observar que o mundo essencial, já presente no nascimento, seria abarcado pela definição freudiana do id, muito embora Freud não tenha nem pensado nem escrito acerca da dimensão espiritual.

À medida que a Essência, como parte do id, afunda-se no caldeirão do inconsciente, Aspecto por Aspecto, nós vamos perdendo o contato com essa parte preciosa do nosso ser – a parte, aliás, que faz de nós seres preciosos. Essa idéia é formulada por Almaas em sua teoria dos buracos, cujo nome ficará claro daqui a pouco. À medida que cada Aspecto é “perdido”, nós sentimos falta de alguma coisa, sentimos uma ausência que interpretamos como deficiência: “Algo está faltando em mim, por isso há algo de errado comigo.” È como se a consciência, em vez de ser uma coisa íntegra, estivesse cheia de buracos. Esse sentimento de vazio, inclusive, pode ser muito literal: há quem tenha a impressão de ter buracos em diversas partes do corpo, muito embora saiba que, fisicamente, tudo está no lugar em que deveria estar. À medida que um número cada vez maior de buracos pende para uma sensação generalizada de vazio e deficiência, que constitui a partir de então o núcleo da sensação íntima da maioria das pessoas, quer elas o saibam, que não. Esse estado de deficiência do ego, no qual a pessoa pode sentir-se sem valor, sem dignidade, pequena, fraca, desamparada, impotente, medíocre, incapaz ou suspensa no vazio sem apoio algum, é a camada mais profunda da personalidade. Isso não poderia ser diferente, pois a personalidade é um senso de eu sem fundamento – sem a Essência – e, logo, só pode se sentir deficiente.

Essa primeira fase – a perda de contato com a natureza essencial, com a qual se inicia a formação da personalidade ou estrutura egóica e que resulta no estado de vazio que constitui o âmago dessa personalidade – é representada pelo Ponto Nove do triângulo interno. Correndo o risco de confundir o leitor pelo acréscimo de mais um nível de complexidade, é interessante notar que os três fatores determinam a perda de contato com a Essência – a identificação com o corpo, a reatividade e a perda de confiança no ambiente e o fato de o mundo essencial não nos ser apresentado – correspondem aos três vértices do triângulo interno, de modo que temos um triângulo dentro do outro. A identificação com o corpo corresponde ao Ponto Nove; a reação de apreensão ao fato de as nossas necessidades não serem plenamente atendidas pela pessoa que cuida de nós corresponde ao Ponto Seis; e a falta de contato dos nossos pais com o mundo da Essência, junto com o fato de eles não nos apresentarem esse mundo como real, corresponde ao Ponto Três. A seguir, vamos ver por que eu fiz essas correlações.

No Diagrama 3, o Ponto Nove e os pontos a ele adjacentes, os Pontos Oito e Um, constituem o lado “indolente” do eneagrama. Isso significa que esses três tipos – Ego Indolente (9), Ego Vingativo (8) e Ego Ressentido (1) – têm por trás de si um único fio condutor, o “adormecimento”: a perda de contato com a Essência, que faz com que a alma se volte para fora. A idéia é a de que o estar adormecido para a Verdadeira Natureza e o não tentar despertar desse sono da inconsciência é uma espécie de preguiça – não se fazer o que realmente precisa ser feito.

Seguindo a direção do movimento dentro do triângulo, o estágio seguinte no processo de desenvolvimento da personalidade é representado pelo Ponto Seis.Este lado do eneagrama, o Ponto Seis (Ego Covarde) e seus pontos adjacentes – Sete (Ego Planejador) e Cinco (Ego Avaro) – é o lado do “medo”, ou seja, do medo que a alma sente em decorrência da falta de apoio do ambiente, que a fez afastar-se da Essência; e, num típico círculo vicioso,
do medo que advém dessa mesma falta de contato com a Essência.

O vazio que fica depois da formação dos “buracos” é doloroso demais para a consciência do bebê e desencadeia o medo de ele não ser capaz de sobreviver à perda. Esse medo de deixar de existir caso se sinta a perda forma uma camada de tensão e rigidez em volta de cada buraco e assemelha-se, no conjunto, a um anel de terror situado na base da estrutura da personalidade. Esse anel é um nível de medo no qual nos sentimos dissociados (separados), perdidos, correndo perigo; pode ser descrito como um terror primordial. É uma contração da alma a se manifestar nos padrões de tensão muscular no corpo, nas “armaduras” deste. A estrutura inteira da personalidade é, no fim, uma grande contração – uma espécie de abraço rígido – que equivale à cristalização, na alma, deste medo primordial.

Essa camada de medo se evidencia particularmente no processo de retomada de contato com a Essência, quando nossa consciência ultrapassa as camadas exteriores da personalidade e começa a aproximar-se do estado básico de vazio e deficiência. É essa camada de medo que é o arquétipo da ansiedade de aviso, a sensação de perigo iminente que temos quando algo que está armazenado no inconsciente começa a abrir caminho para chegar à consciência. A ansiedade de aviso mobiliza os sistemas de defesa do ego para impedir a chegada à consciência dos conteúdos do inconsciente, sendo, portanto, uma manifestação superficial dessa camada primordial de medo. Como já observamos, esse medo é, paradoxalmente o mesmo que na origem nos fez perder o contato com a essência, uma vez que, por sua vez, nos tira da nossa morada no Ser. Voltaremos ao “canto do medo” quando falarmos do processo de religação com a natureza essencial.

Quando se defronta com o medo de não sobreviver, o bebê procura reequilibrar a sua nascente constituição psíquica; e quando entramos nesta parte do processo de desenvolvimento do ego, começamos a tratar das coisas representadas pelo Ponto Três. Para suportar esse medo, que parece lhe ameaçar a vida, o bebê procura “tapar os buracos” e, para tanto, perde a consciência deles e do medo que os envolve. Quando perde a consciência desses pontos vazios de sua psique, começa também a tentar preenche-los, pois, embora tenham sido reprimidos, a alma ainda sabe que eles existem. Para preenche-los, o bebê toma do exterior algo que se parece com a coisa perdida e esse processo vai ficando cada vez mais elaborado e definido à medida que a criança cresce. No início, por exemplo, uma mamadeira de leite quente ou uma fraldinha podem substituir a perda do contato amoroso. Na idade adulta, esse preenchimento dos buracos assume a forma da busca do sucesso mundano para tomar lugar da impotência; da busca do reconhecimento ou da acumulação de bens para tomar o lugar da falta de valor; da busca de fazer algo importante para a sociedade para tomar o lugar da insignificância; da prática do alpinismo para tomar o lugar da fraqueza; da procura de um cônjuge para tomar o lugar da falta do sentimento de ser amado e por aí afora.

Os setores da personalidade vão assim se desenvolvendo um por vez, cada qual correspondente a um buraco. Os traços de memória de que já falamos se fundem numa auto-representação, numa imagem interior que a pessoa tem de si mesma. Essa auto-representação traz em si a memória da perda de contato com cada um dos Aspectos, a crença que a pessoa passa a ter acerca de si mesma em decorrência da perda e as emoções que decorrem dessa noção do eu. Com o tempo, essas auto-representações passam a fazer parte de uma auto-imagem global, uma imagem interior que a pessoa tem de si, que é em boa parte inconsciente. A pessoa se acredita fraca, ou indigna de amor, ou sem perseverança, ou estúpida, ou em suma, privada da qualidade – qualquer que seja – com a qual perdeu contato dentro de si.

A face que mostramos ao mundo, muitas vezes concebida como a auto-imagem, não passa da manifestação mais externa dessa imagem interior que temos. Os tipos situados no lado “imagético” do eneagrama, cujos nomes – como vemos no Diagrama 3 – são Bajulação do Ego (Ponto Dois), Vaidade do Ego (Ponto Três) e Melancolia do Ego (Ponto Quatro), partilham todos da mesma preocupação com a imagem – tanto a que se apresenta externamente quanto a que se imagina internamente. Trata-se, no todo, de uma manifestação superficial do processo mais profundo de identificação com uma imagem interior de si mesmo, uma “auto-imagem”.

Com o tempo, essa imagem adquire uma certa solidez – nós somos tal e tal pessoa, dotada de tais e tais qualidades, características e capacidades – e é determinada em grande medida pelos buracos específicos e características intrínsecas que conformam o nosso senso do eu. Como explicam os psicólogos das relações objetivas, esse senso do eu desenvolve-se de mãos dadas com um senso do “outro”. As impressões e experiências reiteradas se gravam como traços de memória na nascente consciência do bebê e por fim se fundem numa noção de que o que é a nossa pessoa e do que não é, do outro – originalmente, a mãe ou a pessoa que cuidava de nós na primeira infância. Essa imagem interna ou conceito original do outro, essa imagem do objeto – que leva para sempre a marca de nossa mãe – transforma-se num gabarito através do qual captamos todo o mundo exterior. Portanto, assim como o desenvolvimento da auto-imagem está intimamente ligado ao que nossos pais percebiam e nos faziam ver, o desenvolvimento da imagem do outro está ligado a essas pessoas com quem nos relacionávamos no início. Por isso,
nossos amigos e namorados têm o estranho hábito de nos lembrar de nossos pais e até as nossas mais profundas concepções de Deus muitas vezes te a irritante característica de nos lembrar de mamãe.

As estruturas mentais da imagem do eu e da imagem dos objetos, que definem quem nós somos em relação ao mundo à nossa volta, funcionam como filtros que nos conservam a consciência concentrada e identificada com a superfície e não as profundezas, do nosso ser. Essa identificação com a superfície se relaciona de perto com o fato, já discutido, de que nossos pais não percebiam a nossa natureza profunda e que foi um dos fatores da dissociação em relação à essência, fator esse representado pelo Ponto Três. Como diz Almaas:

Com o tempo, a essência desaparece totalmente da vida consciente da pessoa. Em vez da essência ou do ser, existem muitos buracos: deficiências e ausências profundas e multivariadas. Em geral, porém, a pessoa não tem consciência de que é um ser “perfurado”. Muito pelo contrário: na maioria das vezes, só vive consciente dos enchimentos que encobrem a consciência das deficiências, enchimentos esses que ela toma como sua personalidade falsa. O indivíduo, porém, crê sinceramente que as coisas que lhe apresentam à consciência são ele mesmo e não sabe que são só enchimentos, camadas de véus que se acumulam sobre as experiências originais de perda. No geral, o que sobra da experiência da essência e de sua perda é uma vaga sensação de que algo nos falta, um sentimento persistente de ausência, que aumenta e se aprofunda com a idade.

Quando a sensação de ausência e falta que Almaas descreve Acima nos move a querer saber se a vida não é algo mais do que a ausência de sentido e o vazio interior que sentimos; quando finalmente desesperamos de encontrar soluções exteriores para os nosso problemas; quando paramos de tentar nos comportar de uma determinada maneira para obter as coisas que, segundo pensávamos, iam nos satisfazer; quando pararmos de procurar preencher o vazio interior ou abster-nos de encara-lo – quando todas essas coisas acontecem, podemos por fim começar a inverter o movimento da roda da vida: olhar sem medo e com sinceridade para o nosso mundo interior e a nossa consciência, que realmente determinam as nossas experiências.

Quando compreendermos que o sentimento de ausência resulta de termos perdido o contato com nossas profundezas e que esse contato é obscurecido por camadas e camadas de estruturas psicológicas, concluímos que tudo que é preciso fazer para nos religar com nossas raízes espirituais é atravessar essas estruturas até chegar ao que está além delas. Como as estruturas que formam a personalidade se constituem em torno dos “buracos”, elas imitam ou parodiam as qualidades do Ser que se perderam para a consciência. Portanto, o que temos de fazer para retomar o contato com as profundezas é voltar sobre os passos que demos em nosso desenvolvimento. Para tanto, temos de estar presentes nas nossas experiências imediatas, ou seja, temos de entrar em pleno contato com nossas sensações corpóreas, emoções e pensamento – e ter curiosidade de investigar o que encontramos. Todas as coisas baseadas em construtos mentais – e assim são as imagens que temos de nós mesmos e dos objetos – quando submetidas à investigação experimental, dissolvem-se e por fim revelam o buraco da Essência que estavam preenchendo. Por outro lado, as coisas intrinsecamente reais se expandem e se tornam proeminentes na nossa consciência.

Baixando a guarda da negação, da fuga e do enganar a nós mesmos, percebemos que, ao começar o trabalho interior, o ser com quem nos identificamos é a personalidade falsa, a qual, como vimos, não passa de uma coisa que preenche o buraco da perda de contato com a nossa Verdadeira Natureza. Começamos A Jornada, portanto, no Ponto Três, que representa no caso a identificação com a superfície do nosso ser, a personalidade – todas as coisas exteriores que buscamos para nos preencher, como relacionamentos, riqueza, poder, posição social, conhecimento, etc. Simboliza, de maneira geral, o preenchimento de buracos, quer por meio de construtos mentais, quer por meio de realizações exteriores, pois essas coisas só servem para dissociarmos o mais completamente possível das profundidades que realmente sustentam a superfície do nosso ser e da nossa vida.

A personalidade é caracterizada por uma série de qualidades que se distinguem claramente da natureza essencial. Uma de suas características principais é a de ser rígida e estática; assim, o nosso senso de eu muda muito pouco de um momento para outro e nós reagimos às situações que a vida nos apresenta baseados nessa idéia subjetiva do eu e não nas exigências da própria situação. A experiência do momento presente passa pelo crivo de camada de imagens de nós mesmos e do mundo à nossa volta – nosso cineminha particular – camada essa que, como já dissemos, é uma colcha de retalhos feita de elementos tirados do nosso passado distante. Ela nos impede de ver o que está acontecendo; distorce e nos leva a interpretar mal as coisas que percebemos, levando-nos, assim, a agir segundo o passado e não segundo o presente. Isso às vezes se manifesta de maneira muito simples – quando nos deparamos, por exemplo, com uma situação em que tínhamos de fazer valer as nossas necessidades, mas deixamos de expressa-las porque nos vemos como uma pessoa que não pode e não consegue fazer isso. A rigidez aflora da maneira mais acerba nos relacionamentos íntimos, quando não acreditamos que a outra pessoa realmente nos ama – por nos considerarmos fundamentalmente indignos de ser amados – ou achamos que, se ela nos ama mesmo é porque não era tão maravilhosa quanto imaginávamos.
Outro exemplo comum ocorre quando recebemos uma excelente promoção ou nossas realizações são amplamente reconhecidas e nós ficamos achando que alguém deve ter se enganado a nosso respeito.

Um dos fios que ligam todos esses exemplos é o fato de eles implicarem uma auto-imagem baseada na privação, refletindo a deficiência que constitui a camada mais profunda da personalidade. É por isso que, quando finalmente obtemos o que mais queríamos – a coisa que, segundo pensávamos, iria preencher definitivamente aquele buraco – nossa satisfação é, na melhor das hipóteses, efêmera – isso quando não encontramos logo de saída algo de errado na coisa obtida, ou quando não nos convencemos de que na verdade jamais poderíamos obtê-la.

É importante compreender que a auto-imagem estruturou de tal modo a nossa consciência que já não estamos lidando com algo que vem da vontade – idéias mentais conscientes entre as quais poderíamos optar – mas, com convicções tácitas e predominantemente inconscientes acerca de quem nós somos e de quem são as pessoas e o mundo que nos cercam. As pessoas que fazem parte da nossa vida vêm e vão, mas os papéis que desempenham no nosso filminho interior quase não mudam e são, em sua maior parte, desenvolvimentos dos papéis desempenhados pelas pessoas que nos cercavam na infância. As situações em que nos encontramos na vida têm o diabólico hábito de se repetir incansavelmente. Quando realmente começamos a ver as situações à luz da nossa identificação com a personalidade, começamos também a compreender o quanto estamos aprisionados na imagem que formamos de nós mesmos.

Prestando atenção ao corpo, sentindo e deixando que se desenvolvam plenamente todas as sensações, emoções e pensamentos que nos surgem na consciência, nós mergulhamos mais fundo dentro de nós e começamos a nos sentir mais próximos do nosso ser. Essa mudança de direção da exterioridade para a investigação interior já começa em si e por si a murchar um pouco a bola da personalidade. Quando começamos a explorar o nosso território interno, uma das primeiras coisas que encontramos, nos casos típicos, são os mandamentos promulgados pelo nosso crítico interior, o superego. Essa voz dentro de nós, interiorização do conjunto das pessoas que tinham autoridade sobre nós na infância é a ultima camada da personalidade a se desenvolver e por isso é a primeira que encontramos. Como implica o nome original que Freud lhe deu de alemão – Über-ich – sua função é a de supervisionar o ich, nosso senso de “eu”. Mediante suas injunções e admoestações, o superego preserva o status quo da personalidade, dizendo-nos o que fazer, como ser, o que está certo dentro de nós e o que não está. Classifica nossas experiências em boas e más, certas e erradas, aceitáveis e inaceitáveis, etc. Mantém viva a esperança de que, se nos tornarmos “melhores”, encontraremos a satisfação pela qual ansiamos. Por isso,
o superego bloqueia o desvelamento (revelação) da estrutura da personalidade que seria facilitado pela investigação experimental que descrevi: isso porque ele determina o que deve e o que não deve acontecer dentro de nós.

Uma das primeiras tarefas com que temos de lidar na jornada interior, portanto, é aprender a nos defendermos contra o superego. Trata-se essencialmente de uma questão de sentir o sofrimento infligido pelos juízos e críticas, reconhecendo que essa atitude perante a nossa própria pessoa é totalmente contraproducente. Precisamos perceber que, neste caso, os meios – a autocrítica e a formulação de juízos sobre nós mesmos – determinam os fins: uma perpetuação da sensação interior de deficiência. O superego de cada um dos tipos do eneagrama tem um sabor próprio e um relacionamento próprio com o que a pessoa considera ser ela mesma.

Quando aprendemos a nos defender contra o superego, a tarefa de conviver com os conteúdos da consciência – quaisquer que sejam – torna-se mais fácil. O mesmo fio que parte de uma questão, situação, reação ou contração física nos conduz às estruturas psicológicas correlatas, com sua história; e além delas, ao buraco na consciência que ficou quando perdemos o contato com a qualidade da Essência que tem a ver com a questão. Um exemplo pode nos ajudar a compreender esse processo.

Digamos que você tenha, na sua vida, um problema com os bens materiais. Parece que você nunca tem dinheiro suficiente para atender às suas necessidades e sente raiva e inveja quando vê que as pessoas à sua volta estão saindo de férias, comprando uma casa, etc. Quando essa questão se apresenta e você decide sentir profundamente o seu estado, percebe que, nas emoções, está se sentindo carente e necessitado. Percebe que, pelo que se lembra, sempre se sentiu assim; e junto com isso afloram lembranças da infância, de ver, por exemplo, que os pais das outras crianças lhes davam coisas que os seus não lhe davam. Talvez você se lembre que sua mãe nunca estava por perto quando você precisava dela, ou não atendia às suas necessidades emocionais e materiais.

Surge então uma dor profunda e você percebe que ela vem de uma contração na base do abdômem. Deixando que a dor se manifeste, você tem um vislumbre do vazio que parece estar centrado naquele lugar e junto com o vislumbre vem o medo de sentir plenamente esse vazio. Quando você aceita o medo e procura saber o que está acontecendo, surgem memórias do medo terrível que você sentia de não sobreviver porque sua mãe não ligava para as suas necessidades e você percebe de repente que está se sentindo como se tivesse um ano de idade, mas se dá conta que agora já é adulto e conseguirá agüentar. Quando você sente o buraco, a contração no abdômem se suaviza, embora a sensação de vazio seja terrível. Parece que ela nunca vai acabar e a sua mente lhe diz que é inútil continuar nesse processo. Você percebe que esse buraco está lá desde que você se conhece por gente e lhe parece muito conhecido, faz parte da idéias que você tem sobre si mesmo, embora estivesse bem longe, em segundo plano. Você vê, ainda, que a certa altura da vida achou que não valia a pena continuar sentindo aquilo e por isso decidiu isolar o sentimento, empurra-lo para bem longe do seu campo de visão.

De frente para o buraco, parece que ele não tem fundo e que você cairá para sempre se entrar nele. Vendo que isso não passa de uma suposição, você decide pô-la à prova na prática e se encontra então no meio do buraco. Percebe de súbito que, em vez cair, está flutuando; parece que algo o está sustentando. Ao investigar o que é isso que o está sustentando, você percebe uma presença intensa que lhe parece firme e bondosa. No começo ela parece estar fora de você; mas, aceitando e prolongando a experiência, você percebe que, na verdade, ela está dentro. Aliás, você sente a presença desse apoio no abdômem, no ponto exato onde antes sentia o vazio.


Eis aí um exemplo hipotético da passagem pelo buraco do apoio da Essência. Nele vemos como um problema da vida cotidiana, especialmente um problema que se repete muitas vezes, é a manifestação da falta de contato com uma das qualidades da nossa natureza essencial. As perturbações da superfície têm um vínculo direto com o que acontece lá embaixo e em ultima análise é só o contato com as profundezas que há de alterar substancialmente a superfície. Vemos ainda, nesse exemplo, como a atitude de investigação sem preconceitos pode nos levar até o meio do buraco que está na raiz das turbulências superficiais.

Todos os buracos, como o do nosso exemplo, são envolvidos pelo medo; e, segundo o mapa do triângulo interno, é no Ponto Seis que nós estamos quando nos defrontamos com isso. Como já dissemos, esse revestimento de medo é ao mesmo tempo um receio de sentir o buraco e o alerta reativo na alma que criou originalmente o buraco. No medo está inevitavelmente implícita a convicção de que será intolerável sentir plenamente o buraco. Isso se manifesta nos medos específicos de ficar louco, de perder o controle ou a motivação, de desaparecer ou de morrer, por exemplo. Quanto mais fundamental é o buraco para a estrutura da personalidade da pessoa, tanto mais o é o medo. O que vai desaparecer, dissolver-se, desintegrar-se, é o setor da personalidade que se sobrepõe ao medo. Em outras palavras, ao superar o medo vamos superar também a personalidade; e embora seja esse o nosso querer explícito, é também a coisa que mais nos assusta, pois viemos a crer que nós somos a personalidade e que ela é tudo o que somos. No medo está implícita uma fuga perante o buraco; paradoxalmente, é essa fuga, esse evitar, que dão ao buraco o sentimento de deficiência. Enquanto nós o rejeitamos, ele nos incomoda. No momento em que o aceitamos e abrimos para ele, o que parecia uma ausência se torna uma plenitude imbuída daquela mesma qualidade da Essência que parecia nos fazer falta. Segundo o mapa do triângulo interno, esse movimento que leva do medo ao vazio e deste à plenitude da Essência é o que leva do Ponto Seis ao Ponto Nove.

O processo da passagem das estruturas da personalidade, representadas pelo Ponto Três, para a camada de medo que envolve cada buraco, no Ponto Seis, e do vazio para a Essência representada pelo Ponto Nove tem de ser repetido muitas vezes para que a desidentificação com a personalidade atinja um nível substancial. Assim como a infância foi uma “massa crítica” de buracos que fez a balança interior pender para a identificação com a personalidade em detrimento da identificação com a Essência, assim também é necessário atingir uma “massa crítica” na viagem de volta. A repetição das experiências de passar pelos buracos e entrar em contato com a natureza essencial vão fazer com que, finalmente, nós deixemos de nos identificarmos com a personalidade para nos identificarmos com a Essência. O tempo que isso vai levar varia segundo o indivíduo; depende de muitos fatores, entre os quais a gravidade dos traumas sofridos na infância e a magnitude da motivação interior de sofrer o que for preciso para ficar frente a frente com a verdade do nosso ver.

Esse trabalho de religação com nossa natureza essencial não é fácil nem rápido. Mas, para os que estão movidos por uma chama interior à descoberta do fundo de si mesmos, é uma necessidade. Nas palavras de Jelaluddin Rumi, poeta do século XIII:

Estiveste com medo
de ser engolido pela terra
ou assimilado pelo ar.

Agora, teu pingo d’água se desprende
e goteja no oceano,
de onde veio.

Já não tem a forma que tinha,
mas ainda é água.
A essência é a mesma.

Esse desprendimento não é um arrependimento.
É uma honra profunda que fazes a ti mesmo.


*H. A. Almaas - Diamond Heart, Books - Berkeley
Fonte: A Dimensão Espiritual do Eneagrama – As Nove Faces da Alma – Sandra Maitri - Cultrix
***
O poema acima me faz lembrar uma vivência de Isha em Calafate na Argentina e da analogia que ela faz em relação ao Amor em sua profunda narração, que vem a ser - ... um dos lugares que ela mais ama na América do Sul é a Cordilheira dos Andes, pelo seu espetáculo na magnitude, intensidade e perfeição das montanhas dos Andes... Os picos sempre cobertos de neve e a neve vem da água...tudo vem da água, pois tudo é uma coisa só. É a água que se transforma em neve... Em Calafate a água havia criado um rio de gelo, ela chamou de uma geleira oracular... Se você olhar para o gelo, ele o hipnotiza; é como um palácio de cristal. É incrível. É azul, é transparente, é poderoso e é inspirador. Mas é tudo uma coisa só. É tudo água.

As águas se unem, a neve se forma e tudo é magnífico. Depois muda de forma e se transforma num rio de gelo. Então, o sol envolve a geleira e la começa a derreter e a se unir ao rio, e novamente... algo incrivelmente belo. É a coisa mais azul que existe, mas, continua sendo água. Muda de forma um milhão de vezes e em cada forma é esplêndida, mas, continua sendo água. Continua sendo amor. Nunca acaba. Só muda de forma.

O rio é terno e delicado ao banhar a praia.
Pode ser intenso e destruidor, como um Tsunami.
Pode ser curador e nutritivo, mas você pode se afogar nele, ele pode roubar o seu último fôlego.
O amor é exatamente a mesma coisa.
Quando você se ilumina (ou desperta sua consciência de quem você realmente é), você compreende que o amor é tudo o que existe e você vê a beleza em todas as coisas.
Em todas as coisas.
Você vê a beleza na raiva.
Você vê a beleza no sofrimento.
Você vê a beleza em tudo isso. Porque continua sendo simplesmente amor e está formando uma paisagem. Está formando uma paisagem de beleza e contraste. E assim é o AMOR...

Adaptação do livro > Revolução da Consciência...

Os meus pensamentos me fazem sofrer...

OS MEUS PENSAMENTOS ME FAZEM SOFRER


Você tem que parar de pensar que você é seu intelecto. Você é o que observa a sua mente. É o que você é. A sua mente não é você. Você acha que é você, mas não é. Apenas a observe.

Pare de julgar, pare de acreditar nela.

Há alguma coisa observando os pensamentos e você precisa se concentrar nisso.

Tudo o que é baseado no medo não é real. É muito fácil ver a diferença: é o stress. Concentre-se na consciência. Você dá atenção demais ao intelecto.

Não se apegue ao sofrimento. Apenas o observe. Observe como ele prega peças em você e ria-se de você mesmo. Logo, você começará a perceber que os sofrimentos são dádivas. Você pensará: “Isso me dá raiva”, então, volte para o momento e se concentre na consciência, no amor. Ou: “Estou triste”, e chore, chore, chore, depois, volte para o momento e se concentre no amor.

A mente está sempre procurando o que está errado. Qualquer medo é apenas stress. Essa é a função da mente – a função do intelecto – mantê-lo na limitação. Mas o Amor está sempre se expandindo.

Concentre-se no louvor, na gratidão e no amor. Se você se concentrar no medo e no que está errado, isso também é perfeito, mas perceba que isso é apenas stress. Todas as dúvidas, todos os julgamentos, todas as críticas, toda a falta de confiança... Tudo isto é simplesmente stress. É só a experiência humana jogando na dualidade.

Apenas sinta tudo, como uma criança de quatro anos! Seja uma vítima perfeita – seja patético – mas, depois, volte para o momento. Apenas sinta tudo o que vier, com inocência e depois volte à consciência, ao amor.

Isso é muito importante. Não fique na teatralidade. Isso não funciona e às vezes, se torna um hábito. É como uma criança que fica temperamental para conseguir o que quer. Isso é só um hábito.

Para curar a separação, você precisa se render ao que está sentindo. Você tem que dizer:

“Eu estou triste. Mas isto é uma coisa boa! Estou me curando”.

Isso é um processo de crescimento, não é ficar flutuando no que nos anestesia. Trata-se de alcançar a liberdade absoluta, aqui e agora, em todos os momentos e de viver sem medo.

A consciência não tem barreiras. Ela não tem pensamento. Ela vê a perfeição em tudo. Isso é expansão, isso é a consciência. Essa é a verdade.

O amor fala a verdade e impulsiona tudo para a grandeza porque não tem limite. Ele sabe que não existem limites. Ele vê a grandeza em todos os aspectos de si mesmo. Ele não pensa. Ele simplesmente está em todos os momentos. Isso é a expansão. Isso é consciência, isso é a verdade.

Quando você sente que está expandindo, você está sendo a sua natureza verdadeira. E isso é o amor.

Por outro lado, o medo tem dúvidas. Ele questiona e se defende. Ele se defende e afasta todos. Ele se protege da grandeza. Ele não o impulsiona na direção de sua grandeza. Ele retém cada aspecto de si mesmo e não fala a verdade.

O medo esconde um segredo porque ele acha que há algo a proteger. Ele acha que algo pode feri-lo. O medo está no intelecto, mas a consciência está no coração. É a onisciência. A onisciência vem do perfeito alinhamento entre a mente e o coração.

O medo vive na dualidade do intelecto, ele é limitado. Ele tem uma caixinha onde se fecha porque ele acha que isso é importante. Com tanto cuidado ele não consegue se expandir.

A consciência acrescenta. É tudo o que ela faz.

As pessoas me fazem rir! Elas dizem: “Quando eu me iluminar, vou fazer isso, isso e aquilo...!” Mas eu sei o que você vai fazer quando alcançar a iluminação: você vai despertar cada aspecto de si mesmo. Porque essa é a única coisa que a consciência pode fazer: despertar cada aspecto de si mesma. Essa é a verdade.

A única maneira que a humanidade tem para alcançar seu potencial mais elevado – a única maneira de experimentar a PAZ MUNDIAL, A UNIÃO E O AMOR INCONDICIONAL – é se tornando mestra da compaixão.

A compaixão percebe a perfeição em toda a criação, em todos os aspectos da dualidade. Não há preconceito, não há doutrina, não há “ismos”, só existe o Um, vivenciando a si mesmo em todos os momentos, na forma humana.

Quando o Um consegue perceber isso, numa forma humana, ele pode permitir que todos percebam a sua própria grandeza. Não há ninguém a salvar, não há nada a proteger, só há o estar e ser e encontrar a perfeição do amor em todas as criações do UM. A Compaixão é a forma mais elevada do Amor.

Ela brota de uma mente consciente e de um coração iluminado. É o que eu desejo para toda a humanidade. A verdadeira experiência do Coração e a perfeição da Compaixão.

Minha infinita gratidão ao Maharishi Sadashiva Isham por me ensinar às verdades absolutas da iluminação.

Eu me dedico a mantê-las na sua forma mais pura e a compartilhá-las com toda a humanidade.

Texto epílogo do livro: REVOLUÇÃO DA CONSCIÊNCIA – Uma Nova Visão de Vida – Isha.

19 de agosto de 2007

Desenvolvendo a Consciência Superior > Segundo Quadro: ENCONTRANDO AS PEGADAS



I CHING > Segundo Quadro do PASTOREIO DO BOI

Segundo Quadro

ENCONTRANDO AS PEGADAS
(Hexagrama 10 – Lu – Conduta a trilhar)

Diz o poema:
“Com a ajuda dos sutras e estudando as doutrinas, chegou a compreender alguma coisa; encontrou pegadas.”

Agora já sabe que os vasos, por mais variados que sejam, todos são de outro e que o mundo objetivo é somente o reflexo do Eu. Porém, ainda que sua mente não possa distinguir o bom e o não bom, sua mente ainda está confusa com a verdade e a falácia. Como ainda não passou pela porta, se diz provisoriamente que somente encontrou pegadas. Junto ao riacho e debaixo das árvores estão dispersas as pegadas daquele que se perdeu; crescem abundantes gramas de doce aroma.

Ele encontrou o caminho?...

“Por mais longe que a besta ande pelos morros, seu nariz chega aos céus e ninguém pode ocultá-la.”

Comentário ao poema:

No seu desespero, encontra amigos que lhe mostram os ensinamentos, algumas pr´ticas, alguns livros, muitas seitas, hoje zen-budismo, amanhã Tibete, depois alguma prática com os índios; experimenta alguma droga “mísitica”, enfim: ele compreende alguma coisa e, teoricamente, “encontra” o caminho de retorno. Ele compreende que todas as experiências, ou doutrinas ou “vasos”, por mais variados que sejam, essencialmente são de ouro puro.

Esse outro está representado no Prajna Paramita Sutra quando Bodhisatwa Avalokiteswara diz: “Oh Sariputra, os fenômenos não são diferentes do vazio. O vazio não é diferente dos fenômenos.”

Ainda assim, ele não pode distinguir o certo do errado; tem fé. Sabe que a saída deste inferno da contradição é através da procura constante do Buda interno, mas como sua procura é fraca, se diz que somente encontrou pegadas. Na última estrofe do poema, o triunfo está assegurado, ou seja: por mais perdida que a pessoa esteja, o “seu nariz chega aos céus”, quer dizer, seu sentido de direção é correto, por isso se decide a:

CONDUTA A TRILHAR

Comentário ao espírito do hexagrama

Após ter aprendido a primeira lição, em Fu, agora o discípulo tem de aprender as regras do caminho, dos rituais, das formalidades. As regras do caminho estão relacionadas com a disciplina interna. Esta disciplina ele terá que forjar sozinho, no íntimo de sua consciência. O discípulo está tentando penetras nos mistérios de Chien (trigrama superior = céu), O CÉU, está colocando sua atenção nos centros superiores, e, para efetuar esse trabalho, terá de realiza-lo vagarosamente e inteligentemente.

As regras do ritual: rito e ordem, realizar as tarefas, sejam elas humanas ou divinas, em perfeita harmonia com a leis cósmicas. As regras do ritual incluem também a forma ordenada de se transmutar, pouco a pouco.

Difícil obter êxito, se não se conhece as leis de Yin e Yang, atividade e repouso. As leis do Céu seguem ciclos determinados e o aprendiz de mestre, a fim de se transformar, tem de conhece-las e viver de acordo com elas.

Tudo o que ele aprendeu terá de demonstrar entre os homens; sua vida terá de ser impecável e terá de usar a gentileza a fim de poder conviver dignamente entre as pessoas.

Lembremos que Tui (trigrama infeior), está relacionado com a boca e as palavras; como neste caso Tui e Chien são trigramas correspondentes ao mesmo elemento, eles estão dentro do ciclo de geração, por conseqüência as palavras terão de ser harmoniosas, cultas, inteligentes, cheias de criatividade, palavras que promovam a cooperação e a concórdia entre os homens. Lu neste caso representa o primeiro intento consciente do discípulo rumo às esferas do Ser e da realidade. O mais importante é que ele inicia esse caminhar em forma alegre e isto representa em relação ao hexagrama anterior uma mudança interna profunda, porque em Fu as preocupações, angústias e dores foram transmutadas em alegria e gozo.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O JULGAMENTO

Após o hexagrama 24, Fu(anterior > A BUSCA DO BOI, ver índice), o discípulo aqui “pisa sobre a cauda do tigre”.

Este pisar está relacionado com o trabalho a ser feito depois que a ilusão foi governada.

Uma vez realizado este trabalho, o segundo passo é transformar tudo o que foi controlado trabalhando em forma ordenada e rítmica, aplicando as leis espirituais. Lembremos que Chien é a lei, seja ela humana ou divina. A forma é incorporando dentro de si mesmo a suavidade e a benevolência, características de Sun. É justamente compreendendo como a suavidade interfere nestas energias que o indivíduo está começando a manejar, que ele inicia o caminho de retorno em forma consciente.

Em termos de mente contemplativa, depois de realizarmos os reajustes de caráter específicos, será necessário reconhecer claramente os estágios sucessivos para se chegar à compreensão da aplicação real do conhecimento. O trabalho de tentar iluminar é considerado “pisar na cauda do tigre”.

Também em termos busdistas a flexibilidade de Sun e Li (hexagramas nucleares), dentro deste hexagrama representa usar concentração para acordar a intuição, usar a cultura para se harmonizar com a natureza, usar o pequeno satori para, através da repetição contínua, procurar a mais alta integração, o Nirvana. E inclui-se mais um aprendizado profundo dentro de todo este espectro: aprender a ser um iluminado, ao mesmo tempo em que se comporta como uma pessoa ordinária.

IMAGEM

Em termos budistas, a imagem da conduta refere-se ao profundo conhecimento das diversidades dos estados de consciência, tanto superior como inferior, por isso ele discrimina entre “o alto e o baixo”, e, apesar de a consciência estar identificada com ela mesma, ainda assim ela não perde seu rumo, e não mistura os passos que devem ser dados em direção à iluminação. Isso é, estabilizar os desejos da pessoa pela distinção das posições.

***

Tendo se apercebido dos erros cometidos durante o passado ele inclui na sua consciência a prática da MODÉSTIA; penetrando no corpo desta virtude ele encontra o: Terceiro Quadro > BOI À VISTA (próximo link)...

O que é a janela da percepção?

“Quando você volta para o amor, o que você vê fora é a perfeição”... Isha


A janela é o nosso inconsciente. São os registros e interpretação das coisas que aconteceram conosco ao longo da nossa vida. Essas interpretações criam o nosso mundo. E criam a nossa experiência de percepção do universo.

Darei alguns exemplos. Quando eu era ainda recém-nascida, fui dada para adoção. Por isso, meu primeiro sistema de crenças era que as pessoas que me amavam iriam me abandonar. Eu sentia muito amor pela família que me adotou, mas, quando eles me contaram que eu era adotada eu me fechei para esse amor, porque decidi que o amor era algo em que não se podia confiar. Desse momento em diante, eu comecei a repelir o amor.

Depois, vivi várias outras experiências. Por exemplo, minha família era muito intelectual, mas eu não era uma aluna brilhante na escola. Por isso, eu acreditava que não era inteligente o bastante. Quando comecei a amadurecer, era gorda e sem graça. Por isso, passei a acreditar que não era bonita.

Essa era a minha janela. Era assim que eu via o mundo.

Mas nada disso era verdade! Eu era bonita, era inteligente e era a fonte de todo amor. Eu sou única e perfeita exatamente como sou, mas tudo o que eu conseguia enxergar era o que estava errado e eu projetava esse medo no plano externo.

Quando você se ilumina, você se dá conta de que não há nada no exterior. Você se dá conta de que tudo é apenas o reflexo no espelho, de todas as facetas da sua totalidade. Tudo o que vemos fora de nós é visto através da nossa janela. Quando estamos inconscientes, vemos tudo através dessa janela.

Se você olhar para a iluminação, não poderá vê-la. Você não pode ver o mestre. Você só consegue ver através dessa janela.

Você cria o seu mundo a cada instante. Você é um mestre criador, mas não sabe disso!

Você acha que é a vítima das circunstâncias externas. Você acredita que o seu poder pertence a um ser maior – a um deus no céu, ou inferno, dependendo da sua experiência – mas tudo o que você vê fora de você é você quem cria.

Por isso, quando você volta para o amor, o que você vê fora é a perfeição. Só quando você está longe do amor, você percebe a dualidade e o medo do que está errado.

Eu poderia falar eternamente sobre a dualidade e as limitações, porque são muito complexas e representam uma diversão para o intelecto. O intelecto acolhe com fervor a dualidade e o medo, que mantém o intelecto entretido, com seus sessenta mil pensamentos por dia.

Mas o amor – a verdade – é muito mais simples. Não faz perguntas. Apenas é, na perfeição, no momento. É inocente.

Isso é o que acontece quando a janela está limpa. A consciência supera a dualidade.

Texto do livro de Isha: Revolução da Consciência – Uma Nova Visão de Vida.

18 de agosto de 2007

O que é o Amor?




"O Amor é tudo o que é". Isha

Na minha experiência o amor é tudo o que é, é tudo. Como eu sei que isto não é real, todas as coisas que acostumava julgar, agora sei que só estão criando a ilusão da dualidade, e que eu sou esse amor, e que você é esse amor, e que tudo é amor.

E o intelecto fica louco! E fala, "você está cega? Toda essa injustiça no mundo, a pobreza e a morte, não tem fim! Acaso não o vê?" E, que tal se todo isto estivesse criando uma paisagem para que pudéssemos ter uma experiência de tudo? Que tal se ao final das contas, só fosse Deus, imortal e eterno, e você fosse isso?

É como um sonho ou uma obra teatral, e o medo é uma ilusão que você tem criado, para poder se sentir vulnerável, pequeno e separado de tudo. Simplesmente para poder ter esta incrível experiência humana. Imagina esta experiência quando o medo cai! É então quando você pode ver a magia e o intrincado e vai se maravilhar novamente como criança. Isto é o que eu quero para você.

Uma experiência madura, uma experiência de amor, de liberdade, de inocência, pela aventura de criar, para estar em cada momento em paz e alegria. É nisso que estamos focados aqui, e isso se move através de tudo. Esse amor penetra e trespassa tudo, e não enxerga nada errado.

É isto desconexão? Não, percebe a perfeição. Quer alcançar vibrações de amor mais elevadas? Claro que sim, esta sempre sustentando cada aspecto do ser na grandeza. Vai se deixar morrer de fome? Não. Vai matar si mesmo? Não, o amor não faz isso. Mas eu preciso ser esse amor, você precisa ser esse amor, e a humanidade toda tem que ser esse amor, é então quando tudo aquilo que julgamos, vai cair. Porque eu não vou me matar no outro, nem vou me estuprar, nem vou roubar de mim mesma, mas vou me dar, e é isso o que a consciência faz, dá.

Isso é o amor, embora seja incompreensível para o intelecto que sempre está baseado na dualidade.

http://ishabrasil.blogspot.com/

Primeiro Quadro > A BUSCA DO BOI

I CHING

Para mim o I Ching é um dos grandes caminhos de autoconhecimento, no sentido de esclarecimento confiável e lúcido. Muito importante nos vermos em nossa natureza dual, o homem superior e inferior dentro de nós, até para podermos compreender a urgência do
DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA SUPERIOR.

Estes são os hexagramas relacionados ao desenvolvimento do caráter, e sua intenção é atingir as pessoas sérias que procuram um guia para o desenvolvimento da consciência superior.

Os 10 quadros do Pastoreio do boi da tradição zen-budista nos relatam de forma poética como a consciência do peregrino sofre e se transforma até se aperceber do estado de Buda que existe nele mesmo. Tentem acompanhar estas analogias.

Será dado ênfase aos processos de meditação (reflexão) e autoconhecimento
Em nenhum momento se afirma que o Livro das Mutações foi escrito para saber a “sorte” como comumente é entendida. Ao contrário, sempre se deixa manifesta a “Vontade dos Homens Sábios” (eus em nós voltados à sabedoria) que continuamente meditavam para que os homens inferiores (eus medrosos, inseguros, raivosos, etc...) pudessem seguir uma Via ou Tao da conduta superior.

Em nenhum lugar está escrito que o I Ching foi idealizado para saber alguma atividade que qualquer ser humano comum, usando um mínimo de sua inteligência, não saiba resolver. Ao contrário, o mais importante é o destaque contínuo que se faz sobre a espiritualidade deste livro.

Estes hexagramas estão intimamente associados a uma experiência transformadora de nosso caráter, assim como da nossa visão do mundo que nos rodeia.

Essas experiências transformadoras seguem uma linha de ação, a saber: Todo ser humano procura bem-estar físico, comodidades, segurança de toda espécie, muitas vezes de forma egoísta, sem lhe importar o sofrimento que isto possa causar às outras pessoas que o acompanham e mais ainda a si mesmo;

Depois, este mesmo ser humano acaba por sofre as conseqüências de seus atos e o sofrimento experimentado faz com que alguns procurem um caminho superior de autoconhecimento. Estes textos estão dirigidos especialmente a eles.

Sendo, portanto o I Ching a VIA DOS HOMENS SÁBIOS, nada melhor do que incluir uma análise dos DEZ QUADROS DO PASTOREIO DO BOI da tradição zen-budista e sua relação com estes hexagramas, porque eles refletem uma crise profunda, não só do caráter mas, de toda estrutura do Ser no seu processo de auto-realização.

Primeiro Quadro

A BUSCA DO BOI
(Hexagrama 24 – Fu – Retorno às antigas condições)

Diz o poema:
“O Touro nunca se perdeu; de que serve procurá-lo?”

Comentário:
A natureza essencial, o Buda, a iluminação nunca se perdeu; por que procura-la? Ela é inerente e inseparável da própria natureza humana.

Di
z o poema:
“O fato de que o pastor não se encontre bem consigo mesmo se deve a que ele mesmo violou sua natureza mais profunda.”

Comentário:

No Hexagrama 23, Po, Jogar fora (anterior, não postado aqui), ele “violou” ( homem) sua própria natureza original, sendo demonstrado isto pela expulsão das linhas Yang, ou espirituais do hexagrama. Agora, no hexagrama 24, ele torna-se vítima das próprias ilusões, representadas pelo peso das linhas Yin (as negatividades), sufocando a única linha Yang, representando o impulso até inconsciente de buscar o espiritual dentro de si mesmo, por isso diz o poema:

“O touro se perdeu porque o pastor se afastou do caminho, seguindo seus enganosos sentidos. Seu lar cada vez fica mais longe dele, desvios e encruzilhadas se confundem mutuamente.

O desejo de ganância e o temor à perda ardem como fogo; as idéias sobre o reto e o equivocado brotam como aranhas. Somente no ermo, perdido no bosque, o garoto procura e procura!

As águas em borbulhas, as montanhas distantes e o caminho sem fim. Exausto e desesperado não sabe aonde se dirigir. Somente escuta as cigarras que cantam na tarde nos bosques de pinheiros.”

***
Comentário:

Seguir os enganosos sentidos é tomar as sensações, que eles nos fazem perceber, como reais. Neste caso ‘seu lar” é a própria natureza búdica ou original. À medida que nos vamos enfronhando num mundo sensorial a nossa mente se torna mais complexa e mais difícil de satisfazer. Quando éramos crianças, satisfazíamo-nos com poucas coisas, porém, à medida que nossa mente foi descobrindo o que os sentidos lhe mostravam, ela tornou-se complicada, sofisticada, procurando incessantemente, embrutecendo-se cada vez mais e mais.

Os desvios e as encruzilhadas são os ideais passageiros que hoje nos fazem lutar contra aqueles que, no dia de ontem, foram nossos amigos. Ontem éramos de direita, hoje de esquerda, amanhã seremos hippies, depois conservadores. Ontem queríamos atingir o céu com nossas mãos, hoje estamos perdidos num inferno desastroso da inútil rotina. Tudo isto sustentado pelo desejo insaciável de cada dia ter “algo diferente”; ganhamos e ao mesmo tempo somos infelizes porque sabemos que vamos perder.

Sabemos que não necessitamos muito para viver, porém, não sabemos viver de forma simples e alegre. Ontem meditávamos sobre verdades, hoje a descrença é total. Sabemos que erramos e tentamos nos convencer de que esse erro é a verdade; ao anoitecer, esses fantasmas, essas aranhas brotam e nos perturbam, nos fazem perder o sono, nos tornam taciturnos, tristes, melancólicos. Perdidos no bosque da paixão, queremos nos atordoar a cada dia que passa para não olharmos de frente o quão medíocres somos. E, dentro deste quadro, desesperados, vagamos sem rumo fixo. Esperando o momento em que a morte acabará com esta triste tragicomédia que é nossa vida.

É então que, ao compreender esta nossa futilidade, inicia-se em nosso íntimo uma pequena revolução, uma energia nova que nos incita a procurar novamente. Este início está retratado no:

RETORNO ÀS ANTIGAS CONDIÇÕES
Hexagrama 24 – Fu

COMENTÁRIO AO ESPÍRITO DO HEXAGRAMA


Representa o início modesto e silencioso, que se manifesta em nossa consciência como uma tendência nova, completamente inusitada, que aos poucos irá modificando nosso caráter sem que o indivíduo em questão possa entender muito bem o que realmente está acontecendo com sua vida, Porém, é importante saber que já não será a mesma pessoa. As linhas quebradas representam no seu conjunto as inúmeras tendências que lhe impediram, num princípio, manifestar perante seus achegados o que verdadeiramente pensa com relação à própria vida.

Entretanto, sente no fundo de seu coração uma necessidade imperiosa de se modificar radicalmente. Tendo presente esse evento na vida da pessoa, Fu se transforma no primeiro toque da Alma, fato que o cérebro registra conscientemente como um PROFUNDO SENSO DO INCÔMODO. Ora, na realidade ninguém pode se modificar, sequer um pouquinho, se não se sentir profundamente incomodado com a vida que leva.
Quem gosta de viver como vive, não se importando com a miséria física, moral e mental dos seres que o rodeiam, então para que procurar algum caminho espiritual?

Difícil concluir que deve mudar o ritmo de sua vida para atingir algum outro estágio de consciência. Dizem que o inferno existe realmente para aqueles que não acreditam que o Céu exista, e basicamente é isso. Porém, existe “o momento” para todos e quando esse tempo chega, a vida comum perde seu “brilho”, já nada mais o atrai, experimentando assim o impulso incontrolável por estudar ou, ao menos, escutar palavras que o inspirem a trilhar a senda dos antigos. Sua vida, até agora sem sentido, gerou hábitos poderosos que se transformaram em seus próprios carcereiros, sendo estes hábitos que o levam a exclamar, ou que não tem tempo, ou que se conforma com a vida medíocre que leva, ou que ser um ser humano comum é o melhor que há etc. Ele percebe que a vida vai embora, que a velhice chega cedo, e que, quando tentar se arrepender, já não terá as forças necessárias para lograr a autotransformação. Nesta dicotomia do ser, às vezes nega seu passado. Imediatamente quer incluir novos horizontes, o novo o atrai, o velho o desgosta, o hábito o aprisiona, a vontade da liberdade o angustia e nesse processo passa seus dias solitário, perdido nas suas ilusões.

Por isso esse hexagrama significa o COMEÇO HUMILDE.

É sempre assim; aquele que quer compreender os mistérios do Universo sem antes compreender um pouquinho a si mesmo e ao seu irmão está fadado ao fracasso. O êxito, porém, está assegurado, porque a linha Yang que é traduzida como energia espiritual já está se fazendo sentir, e é difícil que, a partir deste momento, o indivíduo possa mudar seu destino.

Junto com o incomodo acontece uma outra experiência marcante na vida do indivíduo, algo que até então não acontecia, parece ser como que seus olhos se abrem para uma nova realidade, onde surgem as dúvidas e os conflitos de toda ordem e então aparece um grande problema, desta vez bem real: A CONTRADIÇÃO. De acordo com as experiências místicas dos grandes mestres, sejam eles cristãos ou budistas, a contradição sempre nos acompanha, assim como por exemplo com São Paulo, quando ele afirmava que o que seu coração queria não era o que sua carne queria. Essa dualidade interior deixa o ser humano em questão completamente estressado, sem vitalidade, profundamente nervoso; tira-lhe a fome, submete seu sistema nervoso a modificações profundas e, justamente por intermédio dessa guerra interna, o ser humano consegue consolidar pouco a pouco a sua transmutação.

Seria ridículo dizer que uma real descoberta nunca é antecedida pela profunda angústia, que está presente em Fu. Por isso é que se pede ao próprio aluno que neste momento de sua vida se recolha em silêncio, que não fale de si próprio, que não tente explicar, porque na realidade, por mais que queira, será difícil que ele expresse com “clareza” a “confusão” interna pela qual está passando.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O JULGAMENTO

Em termos de mente contemplativa, a essência da iluminação é chamada o coração do Céu e da Terra; as linhas quebradas neste caso representam o mal que nos assola a cada instante. Ainda que existam criminosos do mais alto calibre, eles na sua maldade não podem destruir essa essência que existe no coração de todos os seres; porém, quanto mais tempo essa essência esteja coberta pela ignorância, maior será o trabalho para reconquistar a natureza pura de Buda. O oceano de sofrimento (caracterizado pelas linhas yin) é ilimitado, porém, a linha Yang é a representação da costa da iluminação. Neste caso, um simples pensamento, um momento de inspiração, uma vontade desesperada de se libertar do sofrimento e das limitações, podem mover o infinito oceano do Sansara. Por este motivo, os mestres se interessam por aqueles que estão desencantados com a vida comum que a maioria de todos os seres humanos leva; neste caso, as limitações são tantas, o peso é tão profundo que o indivíduo não encontra paz e repouso. Neste momento, se o discípulo puder suscitar dentro dele um pensamento de elevação, seu êxito estará assegurado e em nenhum momento de sua vida se esquecerá desta experiência.

IMAGEM

Em termos de mente contemplativa, mesmo pensando que há impulso no crescimento e na força, é benéfico ter um lugar para ir, é benéfico termos uma direção e um objetivo porque a consciência do que se tem de fazer será o motor que vai dirigir nossas forças para esse fim específico. Na maioria dos caos, no início do caminho de retorno, o aspirante se perde em vãs conjecturas e sonhos de grandeza, torna-se lírico, ou seja, produz realmente pouco na vida diária, a sua transformação na maioria das vezes é obstaculizada pelas fantasias e ilusões. De qualquer forma, é necessário nutrir o potencial com serenidade. Assim, por intermédio das práticas contemplativas, os “reis antigos” despertavam para o “solstício de inverno”. Esse “despertar” é uma alusão ao que acontece com a vida mundana do discípulo. O solstício de inverno é a morte de tudo o que é seguro. Fu, na realidade, é o INÍCIO DO FIM DO PERÍODO DA MORTE, seja ela espiritual ou natural (como no caso do inverno). O inverso é caracterizado como a estação onde a vida se esconde, onde tudo morre para novamente germinar na primavera; neste caso, o despertar para o solstício de inverno é penetrar no mundo da morte e encontrar a própria vida. Em termos zen-budistas poderíamos relacionar com a morte que cada participante do zen experimenta quando se senta em frente ao muro. Nesse preciso momento de enterrar a semente. Essa vida latente estará durante todo o inverno aprisionada na escuridão e no silêncio; despertar para o solstício de inverno é a semente acordando de seu sono letárgico. É matar a própria morte.

“Fechar os portões” está relacionado com os sentidos. Agora, a sua consciência já não é dirigida ao exterior e quando no I Ching se fala de comerciantes e forasteiros que não transitam, está relacionado com todas as impressões captadas pelos sentidos quando eles são dirigidos às atividades conscientes. Através deste processo se domina a si mesmo e temporariamente separa as caravanas (múltiplos eus, pensamentos) das impressões mentais, apenas observando a mente sem “inspecionar as regiões” ou “sem viajar pelas províncias” dos elementos físicos e mentais, ou seja, sem estar atento a suas reações internas ou externas.

***

Observação: a tradução dos poemas foi realizada por Roque E. Severino. Todos os poemas foram extraídos da obra de D.T. Suzuki, Manual de Zen-Budismo.
O texto foi adaptado por mim (Lena) do livro: I CHING – Uma abordagem Psicológica & Espiritual do I Ching – Autor: Roque E. Severino - Edit. Ícone.

* Veja no próximo link >
Segundo Quadro: ENCONTRANDO AS PEGADAS.

17 de agosto de 2007

O verme e a maçã





Qual é a diferença entre meu ego e o meu ser espiritual?

Imagine por um momento que você é uma maça com uma maravilhosa casca brilhante.

Você lustra diariamente sua casca, e fica bonito para o mundo ver. A maça é como as nossas personalidades. Nossas personalidades são cheias de máscaras.

Elas estão cheias de idéias de como deveríamos nos comportar e o que deveríamos fazer.

Estas idéias nos contam que devemos ser bacanas com as pessoas; que não devemos ficar bravos, que devemos ser bem sucedidos, que devemos ser pais amorosos. Elas nos provêem um bilhão de pretensões de como deveríamos ser.

E nós caminhamos através de toda nossa vida pretendendo ser isto. Nós continuamos polindo a fora, mas o núcleo e a essência de quem somos tem um grande verme se enrolando, rastejando dentro. E este verme foi causado pela raiva, depressão, auto-abandono, perda do espírito e perda da verdade de quem somos.

Para o lado de fora da maça estar realmente brilhante – para estar verdadeiramente perfeita, estar realmente luminosa – temos que ir e remover o que não é real.

Este grande verme esteve nadando pela nossa consciência, bloqueando a luz do amor incondicional da nossa raiz ou do nosso centro.

Então as chaves Isha vão e começam a dissolver este verme.

Começa arrancá-lo pedacinho por pedacinho. E assim que os pedacinhos saem, nós podemos ver estas mentiras.

Nós podemos ver as mascaras, podemos ver as falsidades. Nós podemos escutar as vozes que nos seguram na limitação. Na realidade, nós começamos a se conscientizar do ser. E ao mesmo tempo, começamos a nos conscientizar o que não é o ser.

A essência ou a semente de quem nós somos é o Um, que é ilimitado, o imutável amor. E o que nós não somos também fica muito claro. E nos permitimos ser isto e ver através disto.

Permitimos a nós mesmos ser estes pedacinhos de verme que estão presos dentro desta linda maça e nós os expulsamos. Nós expulsamos cada pedacinho que não serve.

A semente ou o amor, que havia se diminuído, novamente começa a brilhar. E a matéria da maça está limpa e tudo sagrado e completo. Então a superfície adota uma nova brilhante luminosidade – que é verdadeira, que é natural – porque abraçou cada aspecto de si mesma. Abraçou cada parte que não queria ver. Esta é a unidade da união.

Eu sempre falo que para ser divina, a pessoa tem de estar disposta a ser 100% humana. Temos que nos dispor a abraçar cada aspecto nosso que julgamos. Nós temos que abraçar a ganância, temos que abraçar o medo. Temos que abraçar o ciúmes. Temos que abraçar a raiva. Temos que abraçar o egoísmo.

Temos que abraçar cada parte que temos escondido embaixo da falsidade da lustrosa pele da maça, para nos tornarmos sagrados e completos.

Uma pessoa iluminada não é uma pessoa boa.

Uma pessoa iluminada não é alguém cede para fora para receber aprovação.

Uma pessoa iluminada não é alguém que abandona sua grandeza para encaixar-se.

Uma pessoa iluminada não é alguém que seja arrogante, ou auto possuída, ou de outras formas mascarada com uma multiplicidade de coisas que nós percebemos como sinais.

Uma pessoa iluminada é simplesmente uma criança inocente que vive cada momento 100%, dando amor a si mesmo e para todos os demais, quem também sabe que é o Ser.

Este é o olho da união.

Este é o olho do Um.

Este é o olho da iluminação.

O olho da personalidade, ou do ego, é só o gordo verme que está correndo por aí, murchando a carne e impedindo a luz emanada da semente. É também muito importante amarmos o verme, porque ele também é o Um.

Texto extraído do Livro "A revolução da Consciência", de Isha. Editora Pensamento.
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