20 de agosto de 2007

O TRIÂNGULO INTERNO e a QUEDA

TRIÂNGULO INTERNO =
*Nossos três Centros: Físico/Mental/Emocional *
QUEDA =
*Experiências espirituais profundas relatadas pelos místicos de todas as eras *


A figura do Eneagrama (do grego Ennea= nove e grammos= figura ou desenho, antigo sistema de sabedoria, criado há cerca de 2500 anos, (alguns autores dizem que é mais antigo ainda e seu conhecimento foi mantido sigiloso durante muitos séculos) é formada por um triângulo interno que liga os pontos Nove, Seis e Três e por uma forma externa que liga os pontos Um, Quatro, Dois, Oito, Cinco e Sete.

São descontínuas entre si, de modo que o triangulo interno é, de certo modo, uma entidade separada. No Eneagrama da personalidade, o triangulo interno representa os fatores responsáveis por um processo arquetípico e as suas etapas, o processo de perda de contato com a nossa natureza essencial ou fundamental e o concomitante desenvolvimento de uma estrutura egóica. Nossa natureza essencial é aquilo que somos quando nos percebemos libertos da influência do passado – é o nosso estado de consciência original e incondicionado. É o estado em que vivíamos na primeira infância e coexiste com as características particulares da nossa alma, como a gentileza, a mordacidade, a resistência, etc. Quando éramos bebês, porém, não sabíamos que era nesse estado que vivíamos, pois ainda não tínhamos a autoconsciência.

O processo de perda de contato com a natureza essencial é universal: todos os que têm ego passaram por ele. Como é fácil de perceber, nesse rol incluem-se praticamente todos os seres humanos deste planeta, exceto os que nasceram santos ou doidos, ou seja, no caso deste último, os que nunca desenvolveram a estrutura egóica. Pode-se dizer que cada um dos tipos relacionados aos vértices do triangulo “se especializa” ou se forma em torno dos três fatores arquetípicos dessa perda. Pode-se dizer, igualmente, que eles sublimam ou enfocam as três fases correspondentes do processo de desenvolvimento do ego. Os outros pontos do eneagrama, por sua vez, podem ser vistos como graus ulteriores desse processo. A compreensão do processo representado pelo triângulo interno não só nos ajuda a entender o eneagrama da personalidade como também nos habilita, a saber, o que todos nós temos de enfrentar lá dentro para nos unirmos de novo à nossa natureza essencial. Como eu não estou descrevendo aqui os tipos do eneagrama considerados em si, mas sim as fases de um processo universal, referir-me-ei aos pontos Nove, Seis e Três e não aos Tipos de personalidade correspondentes.

O Ponto Nove, como indica a sua posição no vértice superior do eneagrama, representa o princípio fundamental que dá início ao desenvolvimento do ego: A PERDA DO CONTATO COM A NOSSA VERDADEIRA NATUREZA. Nas obras espirituais, essa perda de contato é freqüentemente compara a um adormecimento, do qual resulta um estado de ignorância ou escuridão. O processo de perda de contato com a origem incondicionada ocorre aos poucos no decorrer dos primeiros anos de vida; quando chegamos aos quatro anos, a Essência já está praticamente perdida para a nossa percepção. Essa perda de consciência da nossa natureza essencial desencadeia o desenvolvimento desse edifício que é a estrutura egóica.

O desenvolvimento dessa estrutura é um pré-requisito necessário para o progresso espiritual, uma vez que a autoconsciência reflexiva é uma das realizações do ego. Sem ela, nós não tomaríamos conhecimento do que nos vai na consciência. As diversas tradições explicam de diversas maneiras o motivo desse processo aparentemente inevitável e à primeira vista, lamentável. Em última análise ele continua sendo um mistério e pouco importam quais sejam as nossa crenças acerca do propósito dessa perda. Ela é simplesmente um dado e nós podemos optar entre lidar com o nosso distanciamento ou permanecer adormecidos.

Vários fatores conduzem a essa perda de contato com a Essência. O primeiro é a identificação com o corpo: achamos que nós somos o corpo e o corpo somos nós. Segundo Heinz Hartmann, um dos principais psicanalistas pós-freudanos, considerado pai da psicologia do ego, a consciência do recém-nascido se caracteriza, entre outras coisas, por ser uma matriz indiferenciada na qual as estruturas psicológicas que surgem depois – como o ego, o superego e os impulsos instintivos – não estão articuladas nem diferenciadas. René Sptiz, mais ou menos contemporâneo de Hartmann e pioneiro da pesquisa analítica sobre relacionamento entre mãe e filho, ampliou esse conceito e propôs o de não-diferenciação: a consciência não faria discriminação alguma entre o dentro e o fora, o eu e o outro, a psique e o soma; portanto, não haveria cognição (aquisição de conhecimento através da percepção).

Nossa teoria, baseada nas experiências daqueles que mergulharam nas camadas mais profundas de sua estrutura de personalidade e nas memórias que elas contém é a de que o bebê vive num estado de unidade que engloba as sensações corpóreas, as emoções e os estados essenciais. Todos os conteúdos da consciência se fundem numa espécie de sopa primordial. É provável que, embora a criança veja as diferenças entre as coisas, não saiba que elas estão separadas umas das outras. Ele sente o calor do seio da mãe, por exemplo, vê o vermelho da bolinha de borracha e sente os espasmos da fome no estômago, mas provavelmente não concebe essas experiências como distintas entre si. Para ele, calor, vermelho e fome simplesmente
fazem parte da unidade de sua existência.

O conhecimento distintivo se origina com a distinção entre sensações agradáveis e desagradáveis e traços dessas impressões se depositam aos poucos no sistema nervoso central em desenvolvimento. Com a repetição das impressões, começa a se formar a memória. O fato de que a distinção primeira entre o prazer e a dor é o princípio freudiano de buscar prazer e fugir da dor é o princípio fundamental que dá sustento a toda a estrutura egóica.

Aos poucos vai se formando uma outra distinção: uma noção do dentro e fora. O conjunto de sensações vindas de dentro do corpo afigura-se subjetivamente como senso de identidade rudimentar, que constitui a base do nosso sentido do eu. Pela repetição da experiência de que a criança ser tocada pela mãe ou por quem faz o papel de mãe, o conjunto de sensações na periferia do corpo se transforma numa noção dos limites do corpo. O corpo de cada ser humano é separado dos corpos dos outros seres humanos; por isso, o reiterado contato da pele com o ambiente circundante produz uma idéia preliminar de que se é uma identidade separada, isolada. Essa sensação de separação – definirmo-nos como uma entidade dotada de limites irredutíveis – constitui outra crença fundamental e outra característica da estrutura do ego.

A autoconsciência reflexiva, portanto, começa com as impressões físicas, de modo que a nossa auto-imagem identifica-se automaticamente com o corpo. “O ego”, diz Freud, “é antes de mais nada um ego do corpo.” A identificação com o corpo e, portanto, com o fato de ele ser uma entidade limitada e isolada, desliga-nos da consciência do recém-nascido, na qual todas as coisas são percebidas como uma só – unidade essa que é idêntica à das experiências espirituais profundas relatadas pelos místicos de todas as eras. Nos momentos em que desaparece essa suposição da nossa separatividade intrínseca, o que percebemos é que nossa natureza última e a natureza de todas as coisas são uma só realidade. Quando nos identificamos com o corpo e, portanto, com a separatividade, passamos a nos ver como irremediavelmente isolados, cindidos e dissociados do restante da realidade e não como células diversas do corpo único do universo, ou como manifestações singulares de um Ser único.

O segundo fator que nos faz perder contato com nossa natureza essencial está nas deficiências do ambiente no qual vive o bebê. Essas deficiências são as exigências que o ambiente impõe, por um lado; e, por outro, a falta de sensibilidade desse mesmo ambiente e particularmente da mãe, às necessidades da criança. Como os bebês são incapazes de comunicar verbalmente suas necessidades, essa insensibilidade é, em sua maior parte, inevitável – a mãe não pode senão adivinhar se a criança está com fome, com gazes ou com a fralda suja. O sofrimento, que de início é físico, leva o bebê a reagir na tentativa de alivia-lo. O instinto de sobrevivência entra em cena e o bebê entra em alerta vermelho para procurar se proteger da dor e eliminar-lhe a causa. Essa reação desliga o bebê do estado de não diferenciação, no qual sua consciência é completamente unida à Essência. Quando passa o sofrimento, a consciência do bebê se funde de novo na não-diferenciação.

Esse ciclo de reação e relaxamento se repete indefinidamente, estimulado pelo ambiente. Quando ocorrem maus tratos ou outras formas graves de violência, a reatividade se torna mais ou menos constante. Mesmo quando não há trauma, o ambiente se afigura de qualquer modo como algo não muito confiável para todos os neuróticos normais e assim crescemos mais ou menos dissociados da nossa natureza essencial. A seguir, Almaas* explica como a perda da sensibilidade contínua – o acolhimento (holding), na terminologia psicológica – gera uma falta de confiança no ambiente, a qual, por sua vez, produz reatividade que está na raiz de todo o desenvolvimento do ego:

Como tem de reagir à perda do acolhimento, a criança já não é puro ser; rompe-se o fluxo espontâneo e natural da alma. Se essa reatividade passa a ser predominante, o desenvolvimento da criança vai se basear nela e não na continuidade do estado de Ser. Se o seu desenvolvimento se baseia na reatividade a um ambiente hostil, a criança se desenvolve dissociada do Ser e portanto, é o ego que, nela se desenvolve. Se o seu desenvolvimento, por outro lado, nasce da continuidade do Ser, a consciência da criança permanece centrada na sua natureza essencial; seu desenvolvimento será, então, o amadurecimento e a expressão dessa natureza.

Quanto menos acolhimento há no ambiente, tanto mais o desenvolvimento da criança será baseado na reatividade, que é essencialmente uma tentativa de lidar com um ambiente no qual não se pode confiar. A criança inventa mecanismos para se haver com um ambiente indigno de confiança e são esses mecanismos que constituem a base do nascente senso do eu, o ego. O desenvolvimento da consciência da criança se funda, então, na desconfiança; portanto, a desconfiança é uma das bases do desenvolvimento do ego. A consciência da criança – sua alma – interioriza o ambiente no qual está crescendo e depois projeta no mundo esse ambiente.

Está implícita no ego, portanto, uma desconfiança fundamental em relação à realidade. A insensibilidade do ambiente gera ausência de uma confiança básica; essa ausência se torna uma dissociação em relação ao Ser; essa dissociação produz a reatividade, que é a atividade do ego.

A dissociação do estado indiferenciado original cria uma divisão ou dualidade entre nós e a essência. Junto com a identificação com o corpo. É essa dualidade que dá origem à crença na separatividade. É esse o gênero da ilusão da dualidade, a questão espiritual por excelência, na qual percebemos o eu e o Ser como duas entidades distintas.

O terceiro fator que contribui para a perda de contato com o Ser é a falta de sintonia dos pais com as nossas profundezas. O fato de termos sido criados por pais que, em última análise, acreditavam que eram entidades separadas (a menos que nossos pais fossem seres totalmente iluminados) molda profundamente a nossa consciência. Como eles mesmos não tinham contato com a própria natureza essencial, nossos pais não eram capazes de perceber, dar valor ou nos fazer ver a nossa verdade. A nossa consciência, nos primeiros meses de vida, estava fundida à da nossa mãe; por isso, o que ela sente de nós passa a ser o que nós mesmos sentimos. Como disse Margaret Mahler, “A estimulação mútua durante a fase simbiótica cria uma configuração indelével – um padrão complexo – que se torna o leimotif para que ‘o bebê se torne o filho daquela mãe em particular’.” Isso significa que nós nos tornamos o que a nossa mãe acha que somos. Os pais nos transmitem não só a sociedade e a cultura, mas toda a visão de um mundo que eles mesmos esposam. Essa visão de mundo que absorvemos junto com o leite materno é a personalidade; nela, o mundo físico é percebido como a única dimensão da real da realidade. Como a dimensão mais profunda da realidade – a dimensão da nossa natureza essencial – não nos é evidenciada nem mostrada, nós mesmos começamos, aos poucos, a perder o contato com ela.

Como dissemos na Introdução, a Essência, a natureza da nossa alma ou consciência, tem muitas qualidades diferentes, chamadas aspectos Essenciais. A Bondade, a Força, a Inteligência, a Alegria, a Paz, a Impecabilidade e a Proteção são apenas alguns desses Aspectos. Por isso, embora a Verdadeira Natureza da alma seja uma coisa só, as características pelas quais ela se manifesta mudam; ou, para dize-lo de outra maneira, muda a qualidade dela com a qual estamos em contato nos diversos momentos. A qualidade manifestada pela Essência depende da situação exterior em que nos encontramos ou das coisas que acontecem no nosso processo interior, Por exemplo: a compaixão pode surgir dentro de nós na presença de um amigo que sofre, ou a sensação de firmeza interior pode surgir quando nos deparamos com nossa própria falta de confiança. Como no conto sufi dos sábios que, de olhos vendados, tocaram diferentes partes de um elefante e ficaram, assim, cada qual com uma idéia diferente de o que o elefante é, assim também cada Aspecto representa uma qualidade diferente da nossa Verdadeira Natureza, mas todos são partes da mesma coisa. Embora mude a face sob a qual a Essência se apresenta, ela permanece sempre uma e a mesma.

Parece que o bebê capta diversas qualidades da Essência, mas há algumas que se tornam predominantes em certas fases específicas do desenvolvimento. Durante a fase que Mahler chama de simbiose, por exemplo, que vai mais ou menos dos dois aos seis meses, o Aspecto predominante é o do amor extático, caracterizado por uma doçura líquida e uma sensação de unidade com todas as coisas. É durante essa fase que o filho e a mãe sentem-se fundidos um no outro e é essa doce sensação de união que os adultos procuram inconscientemente reviver quando se apaixonam. Quando o bebê começa a se separar fisicamente da mãe – isto é, quando começa a engatinhar, aos seis ou sete meses – começa também a constituir dentro de si uma noção da distinção que há entre ele e a mãe, como se quebrasse a casca do ovo da simbiose. O Aspecto correspondente a essa subfase é caracterizado por uma expanssividade cheia de energia, uma sensação de força e de capacidade. Quando a criança começa a explorar seu mundo, deleitando-se com a sua capacidade de tocar, pôr na boca e manipular todos os seres e objetos fascinantes que o habitam, outro Aspecto passa ao primeiro plano. Este Aspecto se caracteriza pela sensação de gozo e pela curiosidade sem fim e sem objetivos em relação a todas as coisas com que a criança se depara.

À medida que a criança passa pelos diversos estágios do desenvolvimento do ego, os Aspectos predominantes vão se sucedendo correspondentemente. As rupturas ou traumas que acontecem durante um determinado estágio – coisas que, aliás, aconteceram muitas vezes até com as pessoas mais normais – afetam a nossa relação com o Aspecto Essencial correlato, enfraquecendo o contato que temos com ele. Esses traumas se tornam parte da história gravada no nosso corpo e na nossa alma.

Algumas escolas espirituais chamam essa perda de contato com as profundezas de “a queda”. Não acontece de uma vez, como dão a entender certas doutrinas, mas aos poucos, no decorrer dos quatro primeiros anos de vida, à medida que vamos passando pelos estágios nos quais predominam determinados Aspectos. Como já dissemos, as rupturas dos estados essenciais e o fato de não se chamar à atenção para os Aspectos faz com que eles se percam sucessivamente para a consciência, alguns gradativamente, alguns de forma abrupta. Por fim se chega a uma espécie de “massa crítica” que faz com que todo o mundo da Essência saia da consciência. Por ser a Essência a natureza da alma, a queda não equivale a uma perda da Essência – antes, simplesmente perdemos o contato com ela. Trata-se de uma distinção importante, pois significa que o mundo essencial está sempre presente; nós só o “esquecemos”, varremo-lo da consciência. Está aqui a cada momento e é inseparável do nosso ser, mas passou para o inconsciente. Essa idéia é a base de algumas doutrinas espirituais segundo as quais nós já somos iluminados. Porém, isso não nos consola, pois o mundo essencial não vem à consciência pelo simples fato de sabermos mentalmente que ele está lá.

O progresso espiritual pode, portanto, ser concebido sob certo ponto de vista como um processo pelo qual o inconsciente se torna consciente. Na consciência normal, o mundo essencial é recoberto pelas camadas mais profundas da personalidade, compostas de conteúdos que foram banidos da consciência pela repressão e de outros que nem sequer chegaram à consciência, como os impulsos instintivos e as memórias e fantasias a eles associadas. Freud, que formulou a noção do inconsciente, percebeu que ele continha, além daquilo que chamou de “id”, “certas funções não-conscientes do ego e do superego. Segundo Freud, o “id”contém todas as coisas herdadas, já presentes no nascimento, que já fazem parte da constituição da pessoa – acima de tudo, portanto, os instintos, que se originaram da organização somática e aqui no id encontram uma expressão psíquica sob formas que nos são desconhecidas”. É interessante observar que o mundo essencial, já presente no nascimento, seria abarcado pela definição freudiana do id, muito embora Freud não tenha nem pensado nem escrito acerca da dimensão espiritual.

À medida que a Essência, como parte do id, afunda-se no caldeirão do inconsciente, Aspecto por Aspecto, nós vamos perdendo o contato com essa parte preciosa do nosso ser – a parte, aliás, que faz de nós seres preciosos. Essa idéia é formulada por Almaas em sua teoria dos buracos, cujo nome ficará claro daqui a pouco. À medida que cada Aspecto é “perdido”, nós sentimos falta de alguma coisa, sentimos uma ausência que interpretamos como deficiência: “Algo está faltando em mim, por isso há algo de errado comigo.” È como se a consciência, em vez de ser uma coisa íntegra, estivesse cheia de buracos. Esse sentimento de vazio, inclusive, pode ser muito literal: há quem tenha a impressão de ter buracos em diversas partes do corpo, muito embora saiba que, fisicamente, tudo está no lugar em que deveria estar. À medida que um número cada vez maior de buracos pende para uma sensação generalizada de vazio e deficiência, que constitui a partir de então o núcleo da sensação íntima da maioria das pessoas, quer elas o saibam, que não. Esse estado de deficiência do ego, no qual a pessoa pode sentir-se sem valor, sem dignidade, pequena, fraca, desamparada, impotente, medíocre, incapaz ou suspensa no vazio sem apoio algum, é a camada mais profunda da personalidade. Isso não poderia ser diferente, pois a personalidade é um senso de eu sem fundamento – sem a Essência – e, logo, só pode se sentir deficiente.

Essa primeira fase – a perda de contato com a natureza essencial, com a qual se inicia a formação da personalidade ou estrutura egóica e que resulta no estado de vazio que constitui o âmago dessa personalidade – é representada pelo Ponto Nove do triângulo interno. Correndo o risco de confundir o leitor pelo acréscimo de mais um nível de complexidade, é interessante notar que os três fatores determinam a perda de contato com a Essência – a identificação com o corpo, a reatividade e a perda de confiança no ambiente e o fato de o mundo essencial não nos ser apresentado – correspondem aos três vértices do triângulo interno, de modo que temos um triângulo dentro do outro. A identificação com o corpo corresponde ao Ponto Nove; a reação de apreensão ao fato de as nossas necessidades não serem plenamente atendidas pela pessoa que cuida de nós corresponde ao Ponto Seis; e a falta de contato dos nossos pais com o mundo da Essência, junto com o fato de eles não nos apresentarem esse mundo como real, corresponde ao Ponto Três. A seguir, vamos ver por que eu fiz essas correlações.

No Diagrama 3, o Ponto Nove e os pontos a ele adjacentes, os Pontos Oito e Um, constituem o lado “indolente” do eneagrama. Isso significa que esses três tipos – Ego Indolente (9), Ego Vingativo (8) e Ego Ressentido (1) – têm por trás de si um único fio condutor, o “adormecimento”: a perda de contato com a Essência, que faz com que a alma se volte para fora. A idéia é a de que o estar adormecido para a Verdadeira Natureza e o não tentar despertar desse sono da inconsciência é uma espécie de preguiça – não se fazer o que realmente precisa ser feito.

Seguindo a direção do movimento dentro do triângulo, o estágio seguinte no processo de desenvolvimento da personalidade é representado pelo Ponto Seis.Este lado do eneagrama, o Ponto Seis (Ego Covarde) e seus pontos adjacentes – Sete (Ego Planejador) e Cinco (Ego Avaro) – é o lado do “medo”, ou seja, do medo que a alma sente em decorrência da falta de apoio do ambiente, que a fez afastar-se da Essência; e, num típico círculo vicioso,
do medo que advém dessa mesma falta de contato com a Essência.

O vazio que fica depois da formação dos “buracos” é doloroso demais para a consciência do bebê e desencadeia o medo de ele não ser capaz de sobreviver à perda. Esse medo de deixar de existir caso se sinta a perda forma uma camada de tensão e rigidez em volta de cada buraco e assemelha-se, no conjunto, a um anel de terror situado na base da estrutura da personalidade. Esse anel é um nível de medo no qual nos sentimos dissociados (separados), perdidos, correndo perigo; pode ser descrito como um terror primordial. É uma contração da alma a se manifestar nos padrões de tensão muscular no corpo, nas “armaduras” deste. A estrutura inteira da personalidade é, no fim, uma grande contração – uma espécie de abraço rígido – que equivale à cristalização, na alma, deste medo primordial.

Essa camada de medo se evidencia particularmente no processo de retomada de contato com a Essência, quando nossa consciência ultrapassa as camadas exteriores da personalidade e começa a aproximar-se do estado básico de vazio e deficiência. É essa camada de medo que é o arquétipo da ansiedade de aviso, a sensação de perigo iminente que temos quando algo que está armazenado no inconsciente começa a abrir caminho para chegar à consciência. A ansiedade de aviso mobiliza os sistemas de defesa do ego para impedir a chegada à consciência dos conteúdos do inconsciente, sendo, portanto, uma manifestação superficial dessa camada primordial de medo. Como já observamos, esse medo é, paradoxalmente o mesmo que na origem nos fez perder o contato com a essência, uma vez que, por sua vez, nos tira da nossa morada no Ser. Voltaremos ao “canto do medo” quando falarmos do processo de religação com a natureza essencial.

Quando se defronta com o medo de não sobreviver, o bebê procura reequilibrar a sua nascente constituição psíquica; e quando entramos nesta parte do processo de desenvolvimento do ego, começamos a tratar das coisas representadas pelo Ponto Três. Para suportar esse medo, que parece lhe ameaçar a vida, o bebê procura “tapar os buracos” e, para tanto, perde a consciência deles e do medo que os envolve. Quando perde a consciência desses pontos vazios de sua psique, começa também a tentar preenche-los, pois, embora tenham sido reprimidos, a alma ainda sabe que eles existem. Para preenche-los, o bebê toma do exterior algo que se parece com a coisa perdida e esse processo vai ficando cada vez mais elaborado e definido à medida que a criança cresce. No início, por exemplo, uma mamadeira de leite quente ou uma fraldinha podem substituir a perda do contato amoroso. Na idade adulta, esse preenchimento dos buracos assume a forma da busca do sucesso mundano para tomar lugar da impotência; da busca do reconhecimento ou da acumulação de bens para tomar o lugar da falta de valor; da busca de fazer algo importante para a sociedade para tomar o lugar da insignificância; da prática do alpinismo para tomar o lugar da fraqueza; da procura de um cônjuge para tomar o lugar da falta do sentimento de ser amado e por aí afora.

Os setores da personalidade vão assim se desenvolvendo um por vez, cada qual correspondente a um buraco. Os traços de memória de que já falamos se fundem numa auto-representação, numa imagem interior que a pessoa tem de si mesma. Essa auto-representação traz em si a memória da perda de contato com cada um dos Aspectos, a crença que a pessoa passa a ter acerca de si mesma em decorrência da perda e as emoções que decorrem dessa noção do eu. Com o tempo, essas auto-representações passam a fazer parte de uma auto-imagem global, uma imagem interior que a pessoa tem de si, que é em boa parte inconsciente. A pessoa se acredita fraca, ou indigna de amor, ou sem perseverança, ou estúpida, ou em suma, privada da qualidade – qualquer que seja – com a qual perdeu contato dentro de si.

A face que mostramos ao mundo, muitas vezes concebida como a auto-imagem, não passa da manifestação mais externa dessa imagem interior que temos. Os tipos situados no lado “imagético” do eneagrama, cujos nomes – como vemos no Diagrama 3 – são Bajulação do Ego (Ponto Dois), Vaidade do Ego (Ponto Três) e Melancolia do Ego (Ponto Quatro), partilham todos da mesma preocupação com a imagem – tanto a que se apresenta externamente quanto a que se imagina internamente. Trata-se, no todo, de uma manifestação superficial do processo mais profundo de identificação com uma imagem interior de si mesmo, uma “auto-imagem”.

Com o tempo, essa imagem adquire uma certa solidez – nós somos tal e tal pessoa, dotada de tais e tais qualidades, características e capacidades – e é determinada em grande medida pelos buracos específicos e características intrínsecas que conformam o nosso senso do eu. Como explicam os psicólogos das relações objetivas, esse senso do eu desenvolve-se de mãos dadas com um senso do “outro”. As impressões e experiências reiteradas se gravam como traços de memória na nascente consciência do bebê e por fim se fundem numa noção de que o que é a nossa pessoa e do que não é, do outro – originalmente, a mãe ou a pessoa que cuidava de nós na primeira infância. Essa imagem interna ou conceito original do outro, essa imagem do objeto – que leva para sempre a marca de nossa mãe – transforma-se num gabarito através do qual captamos todo o mundo exterior. Portanto, assim como o desenvolvimento da auto-imagem está intimamente ligado ao que nossos pais percebiam e nos faziam ver, o desenvolvimento da imagem do outro está ligado a essas pessoas com quem nos relacionávamos no início. Por isso,
nossos amigos e namorados têm o estranho hábito de nos lembrar de nossos pais e até as nossas mais profundas concepções de Deus muitas vezes te a irritante característica de nos lembrar de mamãe.

As estruturas mentais da imagem do eu e da imagem dos objetos, que definem quem nós somos em relação ao mundo à nossa volta, funcionam como filtros que nos conservam a consciência concentrada e identificada com a superfície e não as profundezas, do nosso ser. Essa identificação com a superfície se relaciona de perto com o fato, já discutido, de que nossos pais não percebiam a nossa natureza profunda e que foi um dos fatores da dissociação em relação à essência, fator esse representado pelo Ponto Três. Como diz Almaas:

Com o tempo, a essência desaparece totalmente da vida consciente da pessoa. Em vez da essência ou do ser, existem muitos buracos: deficiências e ausências profundas e multivariadas. Em geral, porém, a pessoa não tem consciência de que é um ser “perfurado”. Muito pelo contrário: na maioria das vezes, só vive consciente dos enchimentos que encobrem a consciência das deficiências, enchimentos esses que ela toma como sua personalidade falsa. O indivíduo, porém, crê sinceramente que as coisas que lhe apresentam à consciência são ele mesmo e não sabe que são só enchimentos, camadas de véus que se acumulam sobre as experiências originais de perda. No geral, o que sobra da experiência da essência e de sua perda é uma vaga sensação de que algo nos falta, um sentimento persistente de ausência, que aumenta e se aprofunda com a idade.

Quando a sensação de ausência e falta que Almaas descreve Acima nos move a querer saber se a vida não é algo mais do que a ausência de sentido e o vazio interior que sentimos; quando finalmente desesperamos de encontrar soluções exteriores para os nosso problemas; quando paramos de tentar nos comportar de uma determinada maneira para obter as coisas que, segundo pensávamos, iam nos satisfazer; quando pararmos de procurar preencher o vazio interior ou abster-nos de encara-lo – quando todas essas coisas acontecem, podemos por fim começar a inverter o movimento da roda da vida: olhar sem medo e com sinceridade para o nosso mundo interior e a nossa consciência, que realmente determinam as nossas experiências.

Quando compreendermos que o sentimento de ausência resulta de termos perdido o contato com nossas profundezas e que esse contato é obscurecido por camadas e camadas de estruturas psicológicas, concluímos que tudo que é preciso fazer para nos religar com nossas raízes espirituais é atravessar essas estruturas até chegar ao que está além delas. Como as estruturas que formam a personalidade se constituem em torno dos “buracos”, elas imitam ou parodiam as qualidades do Ser que se perderam para a consciência. Portanto, o que temos de fazer para retomar o contato com as profundezas é voltar sobre os passos que demos em nosso desenvolvimento. Para tanto, temos de estar presentes nas nossas experiências imediatas, ou seja, temos de entrar em pleno contato com nossas sensações corpóreas, emoções e pensamento – e ter curiosidade de investigar o que encontramos. Todas as coisas baseadas em construtos mentais – e assim são as imagens que temos de nós mesmos e dos objetos – quando submetidas à investigação experimental, dissolvem-se e por fim revelam o buraco da Essência que estavam preenchendo. Por outro lado, as coisas intrinsecamente reais se expandem e se tornam proeminentes na nossa consciência.

Baixando a guarda da negação, da fuga e do enganar a nós mesmos, percebemos que, ao começar o trabalho interior, o ser com quem nos identificamos é a personalidade falsa, a qual, como vimos, não passa de uma coisa que preenche o buraco da perda de contato com a nossa Verdadeira Natureza. Começamos A Jornada, portanto, no Ponto Três, que representa no caso a identificação com a superfície do nosso ser, a personalidade – todas as coisas exteriores que buscamos para nos preencher, como relacionamentos, riqueza, poder, posição social, conhecimento, etc. Simboliza, de maneira geral, o preenchimento de buracos, quer por meio de construtos mentais, quer por meio de realizações exteriores, pois essas coisas só servem para dissociarmos o mais completamente possível das profundidades que realmente sustentam a superfície do nosso ser e da nossa vida.

A personalidade é caracterizada por uma série de qualidades que se distinguem claramente da natureza essencial. Uma de suas características principais é a de ser rígida e estática; assim, o nosso senso de eu muda muito pouco de um momento para outro e nós reagimos às situações que a vida nos apresenta baseados nessa idéia subjetiva do eu e não nas exigências da própria situação. A experiência do momento presente passa pelo crivo de camada de imagens de nós mesmos e do mundo à nossa volta – nosso cineminha particular – camada essa que, como já dissemos, é uma colcha de retalhos feita de elementos tirados do nosso passado distante. Ela nos impede de ver o que está acontecendo; distorce e nos leva a interpretar mal as coisas que percebemos, levando-nos, assim, a agir segundo o passado e não segundo o presente. Isso às vezes se manifesta de maneira muito simples – quando nos deparamos, por exemplo, com uma situação em que tínhamos de fazer valer as nossas necessidades, mas deixamos de expressa-las porque nos vemos como uma pessoa que não pode e não consegue fazer isso. A rigidez aflora da maneira mais acerba nos relacionamentos íntimos, quando não acreditamos que a outra pessoa realmente nos ama – por nos considerarmos fundamentalmente indignos de ser amados – ou achamos que, se ela nos ama mesmo é porque não era tão maravilhosa quanto imaginávamos.
Outro exemplo comum ocorre quando recebemos uma excelente promoção ou nossas realizações são amplamente reconhecidas e nós ficamos achando que alguém deve ter se enganado a nosso respeito.

Um dos fios que ligam todos esses exemplos é o fato de eles implicarem uma auto-imagem baseada na privação, refletindo a deficiência que constitui a camada mais profunda da personalidade. É por isso que, quando finalmente obtemos o que mais queríamos – a coisa que, segundo pensávamos, iria preencher definitivamente aquele buraco – nossa satisfação é, na melhor das hipóteses, efêmera – isso quando não encontramos logo de saída algo de errado na coisa obtida, ou quando não nos convencemos de que na verdade jamais poderíamos obtê-la.

É importante compreender que a auto-imagem estruturou de tal modo a nossa consciência que já não estamos lidando com algo que vem da vontade – idéias mentais conscientes entre as quais poderíamos optar – mas, com convicções tácitas e predominantemente inconscientes acerca de quem nós somos e de quem são as pessoas e o mundo que nos cercam. As pessoas que fazem parte da nossa vida vêm e vão, mas os papéis que desempenham no nosso filminho interior quase não mudam e são, em sua maior parte, desenvolvimentos dos papéis desempenhados pelas pessoas que nos cercavam na infância. As situações em que nos encontramos na vida têm o diabólico hábito de se repetir incansavelmente. Quando realmente começamos a ver as situações à luz da nossa identificação com a personalidade, começamos também a compreender o quanto estamos aprisionados na imagem que formamos de nós mesmos.

Prestando atenção ao corpo, sentindo e deixando que se desenvolvam plenamente todas as sensações, emoções e pensamentos que nos surgem na consciência, nós mergulhamos mais fundo dentro de nós e começamos a nos sentir mais próximos do nosso ser. Essa mudança de direção da exterioridade para a investigação interior já começa em si e por si a murchar um pouco a bola da personalidade. Quando começamos a explorar o nosso território interno, uma das primeiras coisas que encontramos, nos casos típicos, são os mandamentos promulgados pelo nosso crítico interior, o superego. Essa voz dentro de nós, interiorização do conjunto das pessoas que tinham autoridade sobre nós na infância é a ultima camada da personalidade a se desenvolver e por isso é a primeira que encontramos. Como implica o nome original que Freud lhe deu de alemão – Über-ich – sua função é a de supervisionar o ich, nosso senso de “eu”. Mediante suas injunções e admoestações, o superego preserva o status quo da personalidade, dizendo-nos o que fazer, como ser, o que está certo dentro de nós e o que não está. Classifica nossas experiências em boas e más, certas e erradas, aceitáveis e inaceitáveis, etc. Mantém viva a esperança de que, se nos tornarmos “melhores”, encontraremos a satisfação pela qual ansiamos. Por isso,
o superego bloqueia o desvelamento (revelação) da estrutura da personalidade que seria facilitado pela investigação experimental que descrevi: isso porque ele determina o que deve e o que não deve acontecer dentro de nós.

Uma das primeiras tarefas com que temos de lidar na jornada interior, portanto, é aprender a nos defendermos contra o superego. Trata-se essencialmente de uma questão de sentir o sofrimento infligido pelos juízos e críticas, reconhecendo que essa atitude perante a nossa própria pessoa é totalmente contraproducente. Precisamos perceber que, neste caso, os meios – a autocrítica e a formulação de juízos sobre nós mesmos – determinam os fins: uma perpetuação da sensação interior de deficiência. O superego de cada um dos tipos do eneagrama tem um sabor próprio e um relacionamento próprio com o que a pessoa considera ser ela mesma.

Quando aprendemos a nos defender contra o superego, a tarefa de conviver com os conteúdos da consciência – quaisquer que sejam – torna-se mais fácil. O mesmo fio que parte de uma questão, situação, reação ou contração física nos conduz às estruturas psicológicas correlatas, com sua história; e além delas, ao buraco na consciência que ficou quando perdemos o contato com a qualidade da Essência que tem a ver com a questão. Um exemplo pode nos ajudar a compreender esse processo.

Digamos que você tenha, na sua vida, um problema com os bens materiais. Parece que você nunca tem dinheiro suficiente para atender às suas necessidades e sente raiva e inveja quando vê que as pessoas à sua volta estão saindo de férias, comprando uma casa, etc. Quando essa questão se apresenta e você decide sentir profundamente o seu estado, percebe que, nas emoções, está se sentindo carente e necessitado. Percebe que, pelo que se lembra, sempre se sentiu assim; e junto com isso afloram lembranças da infância, de ver, por exemplo, que os pais das outras crianças lhes davam coisas que os seus não lhe davam. Talvez você se lembre que sua mãe nunca estava por perto quando você precisava dela, ou não atendia às suas necessidades emocionais e materiais.

Surge então uma dor profunda e você percebe que ela vem de uma contração na base do abdômem. Deixando que a dor se manifeste, você tem um vislumbre do vazio que parece estar centrado naquele lugar e junto com o vislumbre vem o medo de sentir plenamente esse vazio. Quando você aceita o medo e procura saber o que está acontecendo, surgem memórias do medo terrível que você sentia de não sobreviver porque sua mãe não ligava para as suas necessidades e você percebe de repente que está se sentindo como se tivesse um ano de idade, mas se dá conta que agora já é adulto e conseguirá agüentar. Quando você sente o buraco, a contração no abdômem se suaviza, embora a sensação de vazio seja terrível. Parece que ela nunca vai acabar e a sua mente lhe diz que é inútil continuar nesse processo. Você percebe que esse buraco está lá desde que você se conhece por gente e lhe parece muito conhecido, faz parte da idéias que você tem sobre si mesmo, embora estivesse bem longe, em segundo plano. Você vê, ainda, que a certa altura da vida achou que não valia a pena continuar sentindo aquilo e por isso decidiu isolar o sentimento, empurra-lo para bem longe do seu campo de visão.

De frente para o buraco, parece que ele não tem fundo e que você cairá para sempre se entrar nele. Vendo que isso não passa de uma suposição, você decide pô-la à prova na prática e se encontra então no meio do buraco. Percebe de súbito que, em vez cair, está flutuando; parece que algo o está sustentando. Ao investigar o que é isso que o está sustentando, você percebe uma presença intensa que lhe parece firme e bondosa. No começo ela parece estar fora de você; mas, aceitando e prolongando a experiência, você percebe que, na verdade, ela está dentro. Aliás, você sente a presença desse apoio no abdômem, no ponto exato onde antes sentia o vazio.


Eis aí um exemplo hipotético da passagem pelo buraco do apoio da Essência. Nele vemos como um problema da vida cotidiana, especialmente um problema que se repete muitas vezes, é a manifestação da falta de contato com uma das qualidades da nossa natureza essencial. As perturbações da superfície têm um vínculo direto com o que acontece lá embaixo e em ultima análise é só o contato com as profundezas que há de alterar substancialmente a superfície. Vemos ainda, nesse exemplo, como a atitude de investigação sem preconceitos pode nos levar até o meio do buraco que está na raiz das turbulências superficiais.

Todos os buracos, como o do nosso exemplo, são envolvidos pelo medo; e, segundo o mapa do triângulo interno, é no Ponto Seis que nós estamos quando nos defrontamos com isso. Como já dissemos, esse revestimento de medo é ao mesmo tempo um receio de sentir o buraco e o alerta reativo na alma que criou originalmente o buraco. No medo está inevitavelmente implícita a convicção de que será intolerável sentir plenamente o buraco. Isso se manifesta nos medos específicos de ficar louco, de perder o controle ou a motivação, de desaparecer ou de morrer, por exemplo. Quanto mais fundamental é o buraco para a estrutura da personalidade da pessoa, tanto mais o é o medo. O que vai desaparecer, dissolver-se, desintegrar-se, é o setor da personalidade que se sobrepõe ao medo. Em outras palavras, ao superar o medo vamos superar também a personalidade; e embora seja esse o nosso querer explícito, é também a coisa que mais nos assusta, pois viemos a crer que nós somos a personalidade e que ela é tudo o que somos. No medo está implícita uma fuga perante o buraco; paradoxalmente, é essa fuga, esse evitar, que dão ao buraco o sentimento de deficiência. Enquanto nós o rejeitamos, ele nos incomoda. No momento em que o aceitamos e abrimos para ele, o que parecia uma ausência se torna uma plenitude imbuída daquela mesma qualidade da Essência que parecia nos fazer falta. Segundo o mapa do triângulo interno, esse movimento que leva do medo ao vazio e deste à plenitude da Essência é o que leva do Ponto Seis ao Ponto Nove.

O processo da passagem das estruturas da personalidade, representadas pelo Ponto Três, para a camada de medo que envolve cada buraco, no Ponto Seis, e do vazio para a Essência representada pelo Ponto Nove tem de ser repetido muitas vezes para que a desidentificação com a personalidade atinja um nível substancial. Assim como a infância foi uma “massa crítica” de buracos que fez a balança interior pender para a identificação com a personalidade em detrimento da identificação com a Essência, assim também é necessário atingir uma “massa crítica” na viagem de volta. A repetição das experiências de passar pelos buracos e entrar em contato com a natureza essencial vão fazer com que, finalmente, nós deixemos de nos identificarmos com a personalidade para nos identificarmos com a Essência. O tempo que isso vai levar varia segundo o indivíduo; depende de muitos fatores, entre os quais a gravidade dos traumas sofridos na infância e a magnitude da motivação interior de sofrer o que for preciso para ficar frente a frente com a verdade do nosso ver.

Esse trabalho de religação com nossa natureza essencial não é fácil nem rápido. Mas, para os que estão movidos por uma chama interior à descoberta do fundo de si mesmos, é uma necessidade. Nas palavras de Jelaluddin Rumi, poeta do século XIII:

Estiveste com medo
de ser engolido pela terra
ou assimilado pelo ar.

Agora, teu pingo d’água se desprende
e goteja no oceano,
de onde veio.

Já não tem a forma que tinha,
mas ainda é água.
A essência é a mesma.

Esse desprendimento não é um arrependimento.
É uma honra profunda que fazes a ti mesmo.


*H. A. Almaas - Diamond Heart, Books - Berkeley
Fonte: A Dimensão Espiritual do Eneagrama – As Nove Faces da Alma – Sandra Maitri - Cultrix
***
O poema acima me faz lembrar uma vivência de Isha em Calafate na Argentina e da analogia que ela faz em relação ao Amor em sua profunda narração, que vem a ser - ... um dos lugares que ela mais ama na América do Sul é a Cordilheira dos Andes, pelo seu espetáculo na magnitude, intensidade e perfeição das montanhas dos Andes... Os picos sempre cobertos de neve e a neve vem da água...tudo vem da água, pois tudo é uma coisa só. É a água que se transforma em neve... Em Calafate a água havia criado um rio de gelo, ela chamou de uma geleira oracular... Se você olhar para o gelo, ele o hipnotiza; é como um palácio de cristal. É incrível. É azul, é transparente, é poderoso e é inspirador. Mas é tudo uma coisa só. É tudo água.

As águas se unem, a neve se forma e tudo é magnífico. Depois muda de forma e se transforma num rio de gelo. Então, o sol envolve a geleira e la começa a derreter e a se unir ao rio, e novamente... algo incrivelmente belo. É a coisa mais azul que existe, mas, continua sendo água. Muda de forma um milhão de vezes e em cada forma é esplêndida, mas, continua sendo água. Continua sendo amor. Nunca acaba. Só muda de forma.

O rio é terno e delicado ao banhar a praia.
Pode ser intenso e destruidor, como um Tsunami.
Pode ser curador e nutritivo, mas você pode se afogar nele, ele pode roubar o seu último fôlego.
O amor é exatamente a mesma coisa.
Quando você se ilumina (ou desperta sua consciência de quem você realmente é), você compreende que o amor é tudo o que existe e você vê a beleza em todas as coisas.
Em todas as coisas.
Você vê a beleza na raiva.
Você vê a beleza no sofrimento.
Você vê a beleza em tudo isso. Porque continua sendo simplesmente amor e está formando uma paisagem. Está formando uma paisagem de beleza e contraste. E assim é o AMOR...

Adaptação do livro > Revolução da Consciência...

Um comentário:

  1. Lo siento Marinela necesito que me mandes a mi email tus textos los necesito urgente. estamos en lo mismo.
    Pero mandalos a mi gmail: defelipevilches@gmail.com
    Con amor se puede ser muy bueno en un sin mas señales que las nuestras.
    Gracias infinitas. Dale y sigue.

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